domingo, 27 de julho de 2025

Brasil: adoecimento e incapacidade de o trabalhador se defender

 

 


De acordo com o Ministério da Previdência Social, em 2024, foram concedidos três milhões e meio de afastamentos, dos quais, 472.328 por ansiedade e depressão, um montante 68,0% maior em relação ao registrado em 2023.[1] O impacto desta realidade é agravado quando lembramos que os dados se referem apenas à parte da força de trabalho que pode contar com esta forma de recuperar os estragos da sua dilapidação.

            Ninguém duvida que, ao colocarem o lucro acima da vida, os empregadores investem em segurança o suficiente para evitar que manchetes de mortes, mutilações e contaminações dos empregados desgastem a imagem da empresa, prejudicando o seu faturamento. Por isso, seria ingênuo esperarmos deles qualquer esforço adicional no sentido de diminuir os números divulgados pelo Ministério da Previdência Social.

            Mas o aspecto mais intrigante desta carnificina é a ausência de formas de resistência que visam frear o controle empresarial dos corpos e da subjetividade dos empregados. Uma ausência que desperta uma pergunta intrigante: por que a classe não se protege das ameaças com as quais o trabalho mina a sua incolumidade? As reflexões que seguem tratam de respondê-la da forma mais ampla e resumida possível.

 

1.     Trabalho e resistência andavam de mãos dadas.

Em 1983, quando desembarquei no Brasil, as queixas que pintavam os chefes como “autoritários”, “cavalos”, “carrascos”, “estúpidos”, “sem educação” e todas as variantes pejorativas destas expressões tinham um lugar garantido nas conversas informais dos assalariados. Contudo, elas eram quase sempre acompanhadas por expressões como “este chefe não perde por esperar”, “mais dia, menos dia, ele vai ver” ou “cansei de levar desaforo pra casa...vou dar um chega pra lá nesse sujeito” que traduziam o embate da resistência possível às agressões sofridas na realização das tarefas.

Concretamente, as pessoas lançavam mão de pequenas sabotagens possibilitadas pelo saber prático acumulado na execução das tarefas e geralmente utilizadas quando o ritmo ultrapassava o que os funcionários apelidavam de “explorar na moral”. Resistir passava também por descobrir a rua onde o chefe morava para denunciar seus feitos à vizinhança ou por peitar sua estupidez com um simples e direto: “vou te arrebentar se tirar o pão dos meus filhos”. Na quase totalidade das vezes, o chefe saia fisicamente incólume, mas se via forçado a “maneirar” para não piorar as coisas.

Frequentemente silenciosa e viabilizada “na moita”, a resistência mostrava que o saber prático permitia “dar um nó” no serviço fazendo com que chefia e gerência, ao sentir no cangote o bafo do descontentamento, percebessem a impossibilidade de apertar os ritmos sem despertar conflitos desgastantes. Para funcionários e funcionárias, esta capacidade de dar o troco se expressava na frase: “aqui a gente ganha pouco, mas se diverte!”, típica de quem assumia a sua reação como uma forma de aliviar os estragos do autoritarismo.

Por simples e frágil que fosse, a resistência criava momentos nos quais o NÃO da indignação se materializava em gestos que tinham o próprio trabalhador como sujeito e era através deles que ele aprendia a vencer o medo das retaliações. Os novatos assimilavam a necessidade de proteger o próprio corpo dos sofrimentos do trabalho desde os primeiros passos na empresa. Sempre que a rotina oferecia espaços de diálogo, algum “velho de casa” tratava de ensinar como se defender dos riscos e perigos inerentes à realização das tarefas e, sobretudo, a poupar energias para não levar o corpo à exaustão.

Como você já deve ter percebido, a possibilidade de a resistência funcionar como uma rede de proteção dependia de sentimentos de coletividade capazes de romper as barreiras do individualismo. Uma rede cujas malhas eram tecidas por valores e vivências, por uma linguagem de símbolos, olhares e gestos que aliviavam as feridas do autoritarismo, por relações cotidianas em volta das quais se forjava uma cumplicidade positiva na qual um ajudava o outro a diminuir os desgastes oriundos da distância entre o trabalho prescrito e o real.

Todos sabiam que cumprir a risca as regras do empregador era sinônimo de não dar conta dos resultados exigidos na exata medida em que as mesmas serviam mais para proteger legalmente a empresa em caso de acidentes e situações graves de adoecimento do que para garantir a incolumidade dos funcionários. Ou seja, para que ninguém dissesse que não sabia dos riscos, o manual de regras detalhava cuidadosamente processos e operações enquanto a gerência exigia metas que só podiam ser alcançadas burlando as normas que ela mesma havia ditado.

Enquanto não acontecia nada errado, ninguém se preocupava com as violações do trabalho prescrito, mas, caso ocorresse algum problema, o funcionário estaria na posição de quem, ao violar as regras, via sua defesa se tornar insustentável sem o apoio de colegas cujo testemunho desmascararia as práticas da empresa. Paralelamente a isso, o reconhecimento da qualidade do serviço executado por parte dos próprios pares fazia com que o indivíduo sentisse que valeu a pena viver cada uma das angústias experimentadas, uma sensação que protegia a sua saúde mental. Repare que, como ocorre com os trapezistas de um circo, a rede da identidade coletiva de resistência salvava o trabalhador quando das “quedas” provocadas pelo trabalho real e, ao reconhecer seu valor, fortalecia o seu equilíbrio emocional.

Esta mesma rede servia também para manter unido o grupo diante de situações desconhecidas. Ainda que ninguém tivesse a menor ideia do que fazer, evitar a dispersão causada pela incerteza ajudava os trabalhadores a encontrarem respostas que seriam inviáveis caso cada um deles optasse por se isolar dos demais a fim de mostrar serviço diante da Chefia. Concretamente, de reduzir os danos a dar o troco, o trabalhador amarrava as pontas de suas linhas com as que estavam nas mãos dos colegas para que a rede não cedesse nos momentos em que a realidade poderia aumentar os atritos nas relações interpessoais e os sofrimentos do trabalho.

Nesta altura, você já deve ter percebido que tudo isso constituía uma ameaça à autoridade dos empregadores nos locais de trabalho. Por isso, extirpar a identidade coletiva de resistência se apresentava como a condição sem a qual esta autoridade não poderia ser a única a ditar as regras. Esta “limpeza” ocorreu depois das grandes greves e mobilizações de 1985, quando dezenas de milhares de dirigentes sindicais, membros de Comissões de Fábrica e de Comissões Internas de Prevenção de Acidentes, delegados sindicais e simples militantes foram demitidos por justa causa. Realizada a devassa, os empresários estavam livres para disputar com os sindicatos os corações e as mentes dos empregados.

 

2.     A “nova” filosofia do empresariado.

No final de 1985, as grandes empresas sediadas no território nacional começaram a agir em quatro direções complementares. A primeira delas orientava as gerências de recursos humanos a resolverem imediatamente as causas de descontentamento sempre que as mesmas não envolvessem custos excessivos ou a quebra das políticas acordadas nas federações empresariais. Banheiros sujos, falta de papel higiênico e de bebedouro, uniformes inadequados, escassez e má qualidade das ferramentas, cardápios onde o ovo tinha presença constante nos restaurantes dos trabalhadores, etc., eram situações que, ao serem resolvidas pela gerência, evitariam que os funcionários procurassem os sindicatos e capitalizariam para a empresa a confiança gerada pela solução dos problemas.

A segunda orientação visava criar formas de extrair o saber prático no qual se assentava a resistência para que o mesmo fosse progressivamente incorporado aos processos de automação que estavam sendo planejados. Desta forma, seria possível eliminar os setores onde a execução das tarefas dependia fortemente deste conhecimento.

As dificuldades e a demora em treinar seus substitutos aumentavam o poder de barganha dos trabalhadores e tornavam os serviços por eles realizados particularmente suscetível a paralisações e reduções do ritmo de trabalho. Apropriar-se deste saber permitiria criar as condições para substituir pessoas qualificadas e com experiência de luta por novatos cuja facilidade de treinamento proporcionaria a rotatividade desejada sem prejuízos para o empregador.

A individualização do trabalho é a terceira das orientações que ganharam corpo num curto espaço de tempo. Apesar de os processos produtivos poderem se realizar apenas graças à atuação de um coletivo de funcionários, as empresas forçavam o indivíduo a se concentrar no que “seu” posto exigia para dar conta da “sua” meta. A parte da remuneração relativa ao seu desempenho indicaria o seu compromisso com a empresa e definiria as chances de continuar no emprego.

Última e igualmente importante, era a orientação para que os gerentes de recursos humanos vinculassem o salário variável à possibilidade de o trabalhador realizar seus sonhos de consumo.[2] Embrionária na segunda metade dos anos de 1980, esta perspectiva foi ganhando corpo na exata medida em que a visibilidade social obtida pela compra de algum bem, de uma viagem de férias ou de qualquer elemento que colocasse o indivíduo um degrau acima dos seus pares se transformava em objetivo a ser alcançado e mantido a qualquer custo. Diante da primazia do salário, as preocupações do trabalhador em relação à proteção do corpo e da saúde mental caíram em segundo plano. Focado em cumprir as metas para conseguir um dinheiro a mais, o empregado desqualificava como “demoradas” as formas “seguras” de realizar as tarefas...sob o olhar complacente das chefias.

Em linhas gerais e respeitando as particularidades de cada setor, os Programas de Qualidade Total foram o caminho adotado para extrair o saber prático e enfatizar o papel do indivíduo nos processos de trabalho. A desconfiança em participar destes grupos foi superada com a troca do “Cala a boca, peão! Você está aqui para trabalhar e não para dar palpite”, típico das chefias que se apossavam dos macetes para “ganhar pontos” diante dos gerentes, pelo “Estamos de portas abertas para te ouvir”, viabilizado nas empresas de ponta dos mais diferentes setores econômicos.[3]

Estimulados a se mobilizarem em volta dos objetivos empresariais para receber prêmios cujo valor era infinitamente inferior aos resultados que possibilitavam, as ideias dos trabalhadores levavam a um aumento da carga de trabalho e à demissão de colegas sem que seus autores se preocupassem com as consequências que haviam produzido. Os primeiros passos rumo a formas de servidão voluntária ganhavam amplitude à medida que o saber prático, antes usado para resistir às investidas da empresa e conquistar instantes de liberdade, contribuía agora para aprofundar a exploração com o envolvimento dos próprios trabalhadores.

A expansão desta perspectiva ganhava força diante das mudanças que percorriam o mundo após a queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989. Derrotado o “socialismo real”, o avanço do capitalismo semeava a visão pela qual qualquer oposição ao sistema não passava de um esforço inútil ou de um ato anacrônico. Neste contexto, a esquerda mostraria a sua maturidade ao manter a sua ação nos limites traçados pelas necessidades do sistema para minorar as consequências das mudanças que implementava sem obstaculizar a sua expansão.

A tradução deste discurso para a classe trabalhadora não podia ser mais clara: se nada supera o capitalismo, ora, no lugar de criticá-lo, trate de acompanhar as suas demandas para aproveitar o que o sistema tem a oferecer aos que vinculam a sua realização pessoal às metas da organização para a qual trabalham. O conceito de empregabilidade deixava assim suas primeiras pegadas na visão de mundo dos trabalhadores.

No Brasil, esta mensagem se propagava em meio à onda de precarização e desemprego que marcou os anos de 1990. As demissões faziam as pessoas trabalharem mais para evitar que o seu nome fosse incluído na próxima lista dos que iam para o olho da rua. Do mesmo modo, a perspectiva de seleção permanente forçava o empregado a se enquadrar no perfil desejado pelo empregador. Por isso, desde o início, a empregabilidade ganhou as cores do esforço para atualizar e ampliar os próprios conhecimentos e da disposição a assimilar as metas e os valores da empresa. Concretamente, se quisesse continuar empregado, o funcionário devia se tornar uma espécie de massinha de modelar que se encaixava voluntariamente em qualquer molde preparado pelo capital.

Contudo, aceitar a empregabilidade como fio condutor da própria vida não era uma escolha sem consequências. Quanto mais o empregado se transformava nesta massinha de modelar, mais ele confirmava o poder da empresa sobre a sua personalidade e suas escolhas. Extrapolar a jornada e as funções se tornava algo tão corriqueiro quanto não querer perder tempo para tomar água ou ir ao banheiro em nome de uma dedicação ao trabalho encouraçada pelo medo de “não servir para ser explorado”.

Quanto mais o salário variável provava o compromisso do funcionário, mais a sua disponibilidade à submissão ganhava novos patamares. Neste processo, a capacidade de se indignar era anestesiada na exata medida em que o trabalhador assimilava o “vale tudo” para continuar empregado e seus ouvidos se fechavam aos alertas do sindicato pelo simples fato de que aderir a eles era sinônimo de se afastar da empregabilidade e da consequente realização dos sonhos de consumo.

Aos poucos, a visibilidade social proporcionada pelo “ter” se tornava uma forma de compensar os desgastes oriundos de um trabalho que obrigava as pessoas a serem o que não eram e a escolherem o que não desejavam. Quanto maior o endividamento para adquirir estas “próteses do prazer”, mais o trabalhador se impunha a obrigação moral de fazer o impossível para se manter no emprego.

A disciplina férrea à qual se submetia para afastar o fantasma da demissão com um desempenho superior aos demais projetava a solidariedade com os colegas como um verdadeiro tiro no pé. Com o individualismo caminhando a passos largos, os sofrimentos do trabalho tinham a solidão como única companheira de todas as horas. Bom, você entende que saltar sem a rede criada pela identidade coletiva de resistência não era impossível, mas a angústia de saber que bastaria um nada para se espatifar no chão era mais um elemento que minava o equilíbrio emocional do trabalhador.

Último e, certamente, mais importante, é reparar que a desestruturação da personalidade que levaria ao adoecimento psíquico começava na hora em que o empregado abria mão de ser o que era para “ser empresa” 24 horas por dia. Ou seja, a caminhada para o abismo iniciava no exato momento em que negava seus valores, seus sentimentos e seus critérios para interpretar o mundo a fim de adotar a filosofia da empresa como norma de vida. A opção pela servidão realizada neste momento o transformava numa bomba-relógio que, mais dias, menos dias, iria estourar.

Uma vez incorporado o saber prático aos sistemas informatizados e eliminadas as resistências que possibilitava, os programas de qualidade total desapareceram da gestão de recursos humanos. Os novos sistemas eram operados por pessoas menos qualificadas e que, além de não ter nenhuma tradição de luta, apresentavam a disposição à submissão almejada pelo empregador. Com as máquinas impondo o ritmo e monitorando o desempenho em tempo real, cada segundo da jornada devia ser dedicado ao trabalho. É nestas condições que a gestão por objetivos substituía os programas de participação da fase anterior.

A empregabilidade passava a ser diretamente vinculada ao cumprimento das metas e as novas metas sempre demandavam mais do que havia sido realizado até aquele momento num processo que instigava o trabalhador a desafiar os próprios limites físicos, psíquicos e cognitivos. Neste contexto, em 2010, o assédio moral já era parte essencial das políticas de Recursos Humanos na exata medida em que estas exigiam mais do que o funcionário havia atingido com o máximo de dedicação e esforço de que era capaz. Pena que bem poucos se deram conta disso...

Um assédio que podia ter o formato “clássico” (no sentido de ser explícito, descarado e treinado com o propósito de “sangrar a equipe”, humilhando quem não conseguisse atingir as metas). Mas, também, um assédio frequentemente implícito, baseado em classificações de desempenho às quais todos tinham acesso e em avisos paternalistas da chefia soprados ao pé do ouvido nos moldes de quem diz: “estou te dando um toque...a máquina diz que você está trabalhando pouco”. Em ambos os casos, o ponto central estava em fazer com que o trabalhador se culpasse por não atingir as metas, ou seja, em fazer com que as consequências pelas quais passaria fossem assimiladas como fruto de uma incompetência pessoal e não de uma crescente exploração da sua força de trabalho.

E aqui um detalhe perverso: mesmo quem não era vítima do assédio passava por situações em que sentia estar no limite de suas possibilidades. Buscando vencer a angústia oriunda do caminhar à beira do abismo, o empregado aumentava voluntariamente o ritmo de trabalho. Mostrar a si próprio que tinha condições de aguentar um sofrimento ainda maior agravava a exaustão, mas lhe dava a impressão de se afastar do precipício. Ou seja, explorar o sofrimento do trabalho para elevar a produtividade num contexto de servidão voluntária fazia com que o empregado acelerasse o processo de esgotamento que só preocupava a empresa quando o afastamento por adoecimento psíquico ocorria antes de a chefia encaminhar a sua demissão.

Basta isso para percebermos que quanto mais a empregabilidade forçava a adesão ativa a valores e práticas que sufocavam a personalidade do indivíduo, mais esta se desestruturava a ponto de torna-lo incapaz de agir para mudar a sua situação. Para termos uma ideia do que isso significa em nossos dias, basta pensar que, entre os bancários de São Paulo, vários afastados por adoecimento psíquico estão sendo demitidos por abandono de emprego pelo simples fato de não estarem em condições de entregar ao empregador o atestado que justifica a sua ausência.[4]

 

3.     Os problemas que o trabalhador coletivo entrega aos sindicatos.

Para resumir a situação em que se encontra o trabalhador coletivo da atualidade, podemos dizer que estamos diante de um aglomerado de indivíduos sem laços de solidariedade, que não sabem se defender das agressões do trabalho e nem conseguem dar passos nesta direção. Duas as razões para isso: o fato de ninguém ter ensinado o A,B,C da resistência e a convicção de longa data pela qual o melhor a fazer para não ter problemas com a empresa é agir sempre, exata e prontamente de acordo com o que pede. E isso sem perceber que as atitudes servis, adotadas para ter um pouco de paz, sempre prepararam o terreno no qual o assédio moral encontra as melhores condições de prosperar.

Constatado o problema, o desafio de resolvê-lo apresenta obstáculos significativos. Infelizmente, quem sabia organizar a resistência faz tempo que não está nos locais de trabalho e os poucos dirigentes que ainda falam dela o fazem de fora pra dentro dos mesmos. Ninguém lembra, ou finge ter esquecido, que é só ao fazer a resistência acontecer que o indivíduo percebe a própria capacidade de se contrapor à empresa e vai forjando a consciência da necessidade da luta.

Sendo assim, não há boletim, discurso, palestra, vídeo, podcast, cartilha ou intervenção nas redes sociais que seja capaz de driblar a insegurança típica de quem, por nunca ter feito, afoga qualquer desejo de agir no temor de que o ruim pode ficar ainda pior. Por isso, a profusão de cartilhas e esforços midiáticos para mobilizar a categoria contra o assédio, por exemplo, não passa de uma tentativa de ensinar a pilotar um avião com um curso à distância.

Por outro lado, quanto mais as denúncias divulgadas pelos sindicatos ganham tons apocalípticos, mais as pessoas preferem não acreditar que tamanha maldade irá acontecer. Perceber que uma realidade insuportável pode ser substituída por uma ainda mais nefasta é algo que dói demais e leva o senso comum a acreditar em qualquer coisa que permita esconjurar as desventuras anunciadas.

Nesta situação, aprender a ouvir o trabalhador é bem mais importante do que discursar para ele, ainda mais quando nossas palavras repetem chavões que, há tempo, não compreende. Esta escuta deve ser feita enquanto trabalhamos lado a lado com ele, partilhando as mesmas preocupações e a mesma linguagem do ambiente a fim de entrarmos em sintonia com ele. Só assim podemos mapear tanto o que os colegas pensam e os valores que sustentam suas respostas às agressões do trabalho, como temos condições de perceber o que eles se dispõem a fazer como primeiros passos da resistência. Parar o trabalho para ir ao banheiro ou ao bebedouro pode parecer insignificante, mas vencer a obrigação auto imposta de não fazê-lo para “ser empresa” e “da empresa” ou pelo medo de uma repreensão é um avanço.

Só a inserção real no cotidiano do trabalho proporciona a sintonia na qual é possível dialogar com o trabalhador coletivo, entender como lê os problemas e desafio da labuta diária, como recebe as mensagens do sindicato e qual é o seu grau de adesão à filosofia da empresa. Do mesmo modo, trabalhar lado a lado permite entender o que impede os colegas de reagirem, as situações que geram contrariedade e indignação, as formas como usam os sonhos de consumo para aguentar o “repuxo” do trabalho, enfim, o que se vê pelo olhar deles.

Sabendo que o indivíduo presta atenção ao que considera importante e ao que faz sentido para a sua forma de ver a vida, conhecer os aspectos citados oferece a base sobre a qual podemos construir um dialogo aberto e construtivo. Longe de o colega ser apenas destinatário e objeto de nossas falas, ele precisa sentir que suas preocupações encontram eco no que sugerimos e no que materializamos com o nosso agir na empresa e que, justamente por isso, ele é sempre e abertamente convidado a intervir como sujeito de um processo de mudança em construção.

A expansão do assédio e do adoecimento psíquico não revelam apenas como e quanto o capital está decidido a explorar a força de trabalho. Estes fatores delatam também que desaprendemos a nos defender, que cedemos terreno demais no campo das lutas das classes e que, por isso mesmo, nos tornamos incapazes de frear a dilapidação da nossa força de trabalho.

Se, de um lado, não há nada impossível de ser remediado, de outro não há como nos livrarmos do pesadelo no qual mergulhamos repetindo o que fizemos durante mais de três décadas e que nunca deu os resultados esperados.[5] Por isso, quanto mais demoramos a ensinar a resistir no cotidiano da exploração, mais sentiremos o peso da impotência típica de quem, por nunca ter feito, não sabe sequer por onde começar.

 

Emilio Gennari, Brasil, 19 de julho de 2025.

 



[2] A ideia de o empregado se tornar uma “unidade de consumo” já constava do relatório da pesquisa realizada pela CICA, indústria de processamento de tomates, entre setembro de 1984 e março de 1985, em 91 empresas líderes de setor e divulgada pela Revista Tendências do Trabalho na edição de setembro de 1987. Longe de negar o conflito de interesses entre patrões e empregados, o relatório sublinhava que os novos tempos apresentavam a necessidade de adotar posturas capazes de administrá-lo, controla-lo e domesticá-lo de forma a transformar as reivindicações e os desejos dos operários em elementos que permitiam a sobrevivência e o aperfeiçoamento do sistema capitalista.

[3] Um dos best seller da comunicação empresarial é sem dúvida o livro de Célia Valente e Walter Nori, Portas Abertas – a experiência da Rhodia, novos caminhos da comunicação social na empresa moderna, Inicialmente publicado pelo Círculo do Livro para retratar a comunicação interna e externa da Rhodia entre 1982 e 1988. O escrito teve seguidas reedições nas décadas seguintes.

[4] Este e outros elementos preocupantes constam do depoimento da dirigente encarregada da Secretaria de Saúde do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Valeska Pinovai, no 103º Encontro do Fórum de Acidentes de Trabalho, promovido pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, disponível em: https://www.youtube.com/live/TAjv0GH1bbA?feature=shared 

Acesso realizado em 05/07/2025.

[5] Você deve ter percebido que o desenrolar das reflexões ocorreu com um número insignificante de notas de rodapé. Isso não é por acaso. Ao ouvirmos os dirigentes sindicais repetirem as mesmas queixas de sempre com o indicador apontado somente em direção ao capital, buscamos uma síntese do que escrevemos sobre o adoecimento psíquico em momentos diferentes. À medida que esta realidade se torna cada vez mais gritante na história da nossa classe, além de apontar o indicador em direção ao capital, acreditamos ser igualmente urgente olhar também para os três dedos que estão virados em nossa direção...questinando o que fizemos e os espaços que deixamos de ocupar para que o capital nadasse de braçadas nos locais de trabalho. Longe de distribuir culpas, o esforço de olhar para trás visa medir o pulso do presente para construir saídas que nos tirem da lama na qual atolamos.

quarta-feira, 16 de julho de 2025

Marx contra Marx: O Triunfo do Esboço sobre a Obra-Prima!

 


 

“Acredite, nada é trivial!”

(Filme: O Corvo)

Desenho de uma pessoa

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1.    Introdução

 

Marx dedicou a maior parte de sua vida aos estudos sobre a sociedade capitalista e a busca por compreender seu ser, sua funcionalidade real. Um feito inédito na História da humanidade foi realizado e o resultado saiu em sua obra fundamental e mais importante “O Capital”. Foi a primeira vez que uma sociedade teve o seu ser descrito já no início de sua existência. As sociedades somente eram compreendias em maior profundidade depois de longos períodos após seu nascedouro, porém, assim que o Capitalismo “se coloca” de pé no mundo, como um grande feito inédito Marx expõe sua essência. Os Manuscritos são seu laboratório de pesquisa e “O capital” sua grande descoberta.

É muito comum, ao falar-se de Marx e dos marxistas, encontrarmos quem afirme que haveria um problema em relação ao pensamento de Lenin ou Rosa Luxemburgo, entre outros, que viveram antes da publicação de obras como os Manuscritos Econômico-Filosóficos ou os Grundrisse, desqualificando de certa forma sua contribuição teórica ou compreensão do capitalismo, alguns até descartam e/ou ignoram em partes ou totalmente a Opus Magnum Marxiana, ressaltando em seu lugar os rascunhos:

“Com a doutrina de Marx acontece hoje o que na história aconteceu mais de uma vez com as doutrinas dos pensadores revolucionários e dos chefes das classes oprimidas em sua luta pela libertação. As classes opressoras durante a vida dos grandes revolucionários, retribuíam-nos com incessantes perseguições, acolhiam sua doutrina com a fúria mais selvagem, com o ódio mais feroz, com as mais furibundas campanhas de mentiras e calúnias. Depois da morte deles, tentam transformá-los em ícones inofensivos, canonizá-los, por assim dizer, conceder a seu nome certa glória para consolar as classes oprimidas e para enganá-las, castrando o conteúdo da doutrina revolucionária, embotando seu gume revolucionário, vulgarizando-a.” (Lenin 2017, p.27)

Com estas palavras Lenin inicia o livro “O Estado e a Revolução” escrito há pouco mais de 100 anos, suas palavras continuam atuais e com o agravante do monumental feito histórico do proletariado, a Revolução de Outubro não mais existir. A perda dessa batalha, teve implicações seríssimas sobre a moral da nossa classe e dos nossos intelectuais. Como escreve Marx (1985, p.112), “quanto mais uma classe dominante é capaz de acolher em seus quadros os homens mais valiosos das classes dominadas, tanto mais sólido e perigoso é seu domínio”, alguns se juntaram ao adversário como expressão de derrota daquela série de batalhas entre o Proletariado e o Capitalismo que foi o século XX. O Recuo teórico foi brutal, ganharam ainda mais força propostas como a defesa do protagonismo dos novos movimentos sociais nas lutas sociais, a ideia do fim do trabalho, a crença na democracia como meio para conquista do socialismo etc. Nossos intelectuais não saíram ilesos, muitas vezes criando novas nomenclaturas para fenômenos há muito conhecidos, ou utilizando-se de categorias anacrônicas que não mais correspondem as relações capitalistas de produção. Vejamos um exemplo:

Marx é outro que concebe a alienação do corpo como um traço distintivo da relação entre capitalista e trabalhador. Ao transformar o trabalho em uma mercadoria, o capitalismo faz com que os trabalhadores subordinem sua atividade a uma ordem externa, sobre a qual não tem controle e com a qual não podem se identificar.” (Federici 2017, p. 243, grifo nosso)

De forma alguma a afirmação acima pode ser atribuída a Marx, basta lembrarmos que “para ser vendido no mercado como mercadoria, o trabalho, pelo menos, tem de existir antes de ser vendido. Mas, se o trabalhador pudesse dar-lhe existência independente, então ele venderia mercadoria e não trabalho.” (Marx 1984a, p.127). Como veremos nas páginas seguintes essa afirmação parece fundada sobre a compressão de trabalho alienado que não vigora na relação capitalista de produção. A autora também afirma que seu livro “[...] Calibã e a Bruxa desmistifica a natureza democrática da sociedade capitalista e a possibilidade de qualquer “troca igualitária” dentro do capitalismo. (Federici 2017, p. 13-14). Se levarmos às últimas consequências essa afirmação, chegaremos à conclusão de que não há capitalismo, pois sem a troca equivalente, a lei do valor pode ser jogada na lata do lixo.

Talvez, concepções como essas que são fundadas na incompreensão do ser do Capital, portanto, da realidade atual, contribuam para elaboração de muitas teses segundo as quais, estaríamos retornando ao colonialismo ou que o feudalismo teria voltado como tecnofeudalismo. Isso é um assunto para quem sabe, tratarmos, em um outro momento. O principal objetivo deste artigo, é fazer um comparativo entre alguns aspectos da Obra Máxima de Marx “O Capital” (1867) e os Manuscritos de 1844, analisando algumas das categorias fundamentais que são parte destas obras.

As razões para escrever nosso texto são simples, porém de suma importância, fundamentar nossa prática buscando conhecer melhor nosso verdadeiro adversário, o Capital.

 

2.    Mercadoria e Trabalho

 

Nos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844 Marx trabalha com o conceito de trabalho alienado caracterizando o trabalhador como uma mercadoria:

“A existência do trabalhador é, portanto, reduzida à condição da existência de qualquer outra mercadoria. O trabalhador tornou-se uma mercadoria e é uma sorte para ele quando consegue encontrar quem o compre.” (Marx, 2017, p.245, grifo nosso)

No período da acumulação primitiva do Capital, a classe burguesa entrava em cena na história, corroendo as relações feudais, processo durante o qual, por meio do comércio, converteria parte da humanidade em mercadoria, milhares de seres humanos foram sequestrados do Continente Africano e vendidos como meras mercadorias. A escravidão pode ser definida como:

“Condição em que um ser humano – o escravo – é propriedade de outro – o senhor -, dono absoluto do produto de seu trabalho. [...] O escravo constitui também uma mercadoria, podendo, portanto, ser objeto de compra e venda, herança, doação, aluguel, hipoteca e sequestro judicial.”[1]

Nos manuscritos Marx faz sua primeira grande aproximação com a economia política, após conhecer o livro de Engels “Esboço para uma Crítica da Economia Política”, faz uma série de estudos sobre a Economia Política e rascunha em seus cadernos sua compreensão até então (1844). Como primeiro grande esforço teórico no terreno da economia política Marx vem a “[...]considerar centralmente, o trabalhador como mercadoria, e transitar, em alguns momentos secundários, para a compreensão de trabalho como mercadoria” (Oliveira, 2021, p. 354). As sociedades onde vigorou o Trabalho Alienado, ou seja, o trabalhador sendo alienado na relação de troca, são as sociedades, nas quais, a escravidão era a relação de trabalho predominante, relação distinta da que vigora contemporaneamente.

Encontramos ainda no texto de 1844 duas compreensões equívocas, uma sobre a economia política que naquele período Marx denominava como Economia Nacional, outra sobre os trabalhadores na sociedade capitalista:

A partir da própria economia nacional, com as suas próprias palavras, mostramos que o trabalhador decai em mercadoria e na mais miserável mercadoria, que a miséria do trabalhador está na relação inversa do poder e da magnitude da sua produção, que o resultado necessário da concorrência é a acumulação do capital em poucas mãos, portanto, o mais terrível restabelecimento do monopólio, que, finalmente, a diferença de capitalista e arrendador fundiário [Grundrentner], tal como a de agricultor e trabalhador manufatureiro desaparece, e toda a sociedade tem de dividir-se nas duas classes dos proprietários e dos trabalhadores desprovidos de propriedade.” (Marx, 2017, p.302, grifo nosso)

A compreensão de que para a Economia Política o trabalhador era sinônimo de mercadoria já havia sido superada por exemplo por David Ricardo para quem “[...] não é o trabalhador, mas o trabalho uma mercadoria.”, (Oliveira, 2021, p.358).

No final da citação acima é afirmado que os trabalhadores não possuem nenhuma propriedade, no entanto, em sua obra máxima “O Capital” - lançada em 1867 após duas décadas de estudo - Marx demonstra que o “Proprietário de sua força de trabalho é o trabalhador [...]” (Marx, 1983, p.264). Na sociedade capitalista vigora a liberdade jurídica, e na relação de troca a classe capitalista entra em cena como proprietária dos meios de produção enquanto o proletariado como Capital Variável possui a mercadoria fundamental com a qualidade única de produzir valor e mais-valor, uma relação de igualdade jurídica. Nos dois polos da relação encontram-se proprietários, “o que se defronta diretamente ao possuidor de dinheiro, no mercado, não é, de fato, o trabalho, mas o trabalhador. O que este último vende é sua força de trabalho.” (Marx, 1983, p. 128. grifo nosso). Como se vê uma relação completamente distinta da relação escravista.

Em uma passagem bem conhecida dos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844, onde Marx faz um contraste entre a valorização e a desvalorização do mundo das coisas e dos homens respectivamente, a compreensão do trabalhador como mercadoria também aparece:

O trabalhador torna-se uma mercadoria tanto mais barata quanto mais mercadoria cria. Com a valorização do mundo das coisas, cresce a desvalorização do mundo dos homens em proporção direta. O trabalho não produz apenas mercadorias; produz-se a si próprio e o trabalhador como uma mercadoria, e, a saber, na mesma proporção em que produz mercadorias em geral. (Marx, 2017, p.304, grifo nosso)

Podemos recorrer ainda as palavras de Engels em sua introdução ao livro “Trabalho Assalariado e Capital” originalmente publicado em 1849 e que ganharia nova edição em 1891:

“Nos anos 40, Marx ainda não tinha terminado a sua crítica da Economia Política. Isso só aconteceu nos finais dos anos 50. Por isso, os escritos que apareceram antes do primeiro fascículo de Para a Crítica da Economia Política (1859) diferem aqui e ali dos redigidos a partir de 1859 [...]” (Marx, 2009)

Não só Marx descobre ao longo de seus anos de estudo que não é o Trabalho Alienado que corresponde ao modo de produção capitalista, mas também que “o trabalho é a substância e a medida imanente dos valores, mas ele mesmo não tem valor.” (Marx, 1984, p. 128, grifo nosso). Em seu acerto com a Economia Política, em como ela concebia o trabalho Marx afirma:

“Portanto, o que ela chama de valor do trabalho (value of labour) é na realidade o valor da força de trabalho, que existe na personalidade do trabalhador e difere de sua função, o trabalho, tanto quanto uma máquina de suas operações.” (Marx, 1984a, p. 129, grifo nosso)

Como proprietários vendemos nossa mercadoria força de trabalho ao capitalista durante um determinado período, colocamos a sua função em ação durante o processo de produção e assim produzimos valor e mais-valor, produzimos Capital, portanto:

“[...]o “valor de uso” que o trabalhador fornece ao capitalista não é, na verdade, sua força de trabalho, mas sim a função dela, determinado trabalho útil, trabalho do alfaiate, trabalho do sapateiro, trabalho do fiandeiro etc. O fato de que esse mesmo trabalho, sob outro aspecto, é elemento geral criador de valor, o que o distingue das demais mercadorias, não está ao alcance da consciência ordinária.” (Marx, 1984a, p. 131, grifo nosso)

Na sociedade capitalista predomina o Trabalho Assalariado não o Trabalho Alienado, (pensar nesta frase acho que seria mais correto dizer Trabalho Assalariado no lugar de trabalho abstrato) e só a partir dessa descoberta se tornou possível desvendar como o Capital realmente se constitui. A mercadoria possui Valor de Uso - satisfação de uma necessidade humana - e Valor - que tem como substância o Trabalho Abstrato e se se mede pela duração do dispêndio de músculos, nervos, cérebro e sentidos etc., parafraseando Marx, durante o processo de trabalho, sob o capitalismo, o trabalho, assim como a mercadoria (Valor de uso e Valor), também possui uma duplicidade:

Todo trabalho é, por um lado, dispêndio de força de trabalho do homem no sentido fisiológico, e nessa qualidade de trabalho humano igual ou trabalho humano abstrato gera o valor da mercadoria. Todo trabalho é, por outro lado, dispêndio de força de trabalho do homem sob forma especificamente adequada a um fim, e nessa qualidade de trabalho concreto útil produz valores de uso. (Marx, 1983, p.53. grifo nosso)

Por um lado, no processo de trabalho se produz Valores de Uso - Trabalho Concreto -, nos mais diferentes trabalhos como por exemplo: o trabalho do enfermeiro, do psicólogo, do Gari, da médica, da professora, da advogada etc. Por outro lado, se produz Valor e Mais-Valor – Trabalho Abstrato – o trabalho produtor de Capital, o trabalho especificamente correspondente a relação capitalista. É o Trabalho Assalariado que corresponde ao modo de produção Capitalista, o Trabalho Alienado, pertence a outros períodos históricos, sob o Capitalismo ele não tem lugar, é um anacronismo. O segredo que se ocultava quando Marx analisou pela primeira vez a Economia Política e registrou em seus primeiros rascunhos foi descoberto muito mais tarde. Sob o Trabalho Alienado não era possível compreender de fato o Capital, pois, este corresponde ao trabalho escravo, não ao trabalho assalariado. Marx explica ainda que para analisar o capital é preciso abstrair os trabalhos concretos indo assim ao trabalho especificamente produtor de Capital:

“Ao desaparecer o caráter útil dos produtos do trabalho, desaparece o caráter útil dos trabalhos neles representados, e desaparecem também, portanto, as diferentes formas concretas desses trabalhos, que deixam de diferenciar-se um do outro para reduzir-se em sua totalidade a igual trabalho humano, a trabalho humano abstrato.” (Marx 1983, p. 47, grifo nosso)

Sabemos agora que sob determinação do Trabalho Abstrato está constituída a relação Capitalista. Ao vender-se a Mercadoria Força de Trabalho, aliena-se, a sua função, o Trabalho Útil que é Valor de uso para o Capitalista. Sob seu caráter de Trabalho Concreto produz Valores de Uso e pelo caráter de Trabalho Abstrato produz Valor e Mais Valor, e este é o que realmente interessa ao Capital:

“[...] o trabalhador sai do processo sempre como nele entrou — fonte pessoal de riqueza, mas despojado de todos os meios, para tornar essa riqueza realidade para si. Como, ao entrar no processo, seu próprio trabalho já está alienado dele, apropriado pelo capitalista e incorporado ao capital, este se objetiva, durante o processo, continuamente em produto alheio.” (Marx 1984a, p. 156. grifo nosso)

O Capitalista compra a mercadoria Força de Trabalho para satisfazer sua necessidade de acumular Capital, ela se torna Capital Variável no processo, produzindo Valor e Mais Valor - Trabalho Abstrato -, ao consumir seu Valor de Uso, o Capitalista se apropria das mercadorias produzidas. Ao colocar a Força de Trabalho em ação, que foi cedida/transferida - alienada - durante determinado período ou jornada de trabalho pelo proletário, todo Valor de Uso, Valor e Mais Valor produzido torna-se propriedade do capitalista - relação fundada pela troca entre Capital e Trabalho - e o Capital aliena o Salário – Valor/Preço da Força de Trabalho - ao proletário mesmo que este o receba sempre posteriormente. Embora o proletário saia do processo “despojado” da riqueza produzida, é uma relação contratual onde vigora a igualdade jurídica entre proprietários de Mercadoria.

Ao analisar a sociedade capitalista com as lentes do Trabalho Alienado em seus primeiros manuscritos (1844) não era possível uma análise precisa e consequente do Capital, o que não retira a importância desse primeiro estudo de fôlego de Marx.

 

3.    Dinheiro

 

Nos Manuscritos (Marx, 2017, p. 416), Marx afirma que “Shakespeare descreve acertadamente a essência do dinheiro,” ao afirmar que este teria as seguintes propriedades:

“1) Ele é a divindade visível, a transformação de todas as qualidades humanas e naturais no seu contrário, a universal confusão e inversão das coisas; ele fraterniza impossibilidades; 2) Ele é a meretriz universal, o alcoviteiro universal dos homens e dos povos. A inversão e confusão de todas as qualidades humanas e naturais, a fraternização das impossibilidades – a força divina –, pelo dinheiro, reside na sua essência como ser genérico – alienado, exteriorizando e vendendo-se [entfremdeten, entäussernden und sich veräussernden] – do homem. Ele é o poder [Vermögen] exteriorizado da humanidade (Marx, 2017, p.417-418, grifo nosso)

Aqui vemos que o dinheiro é descrito como uma “força divina”, um “poder exteriorizado” que é próprio da humanidade, “[...] é, portanto, o objeto como possessão eminente (Marx, 2017, p. 414, grifo nosso) O dinheiro de certa forma seria como um deus encarnado, onde “a universalidade da sua qualidade é a onipotência do seu ser; por isso, ele vale como ser onipotente.”

Outras duas palavras são usadas para defini-lo: Alcoviteiro, ou seja, intermediário entre amantes, fazedor de intriga, corretor de prostitutas; e Meretriz (Prostituta). O dinheiro então teria características sociais universais, tais como, o causador de intrigas, o cafetão e a prostituta universais.

Entretanto, em sua obra magna “O Capital”, trabalhando a partir do conceito de Trabalho Humano Abstrato, Marx nos demonstra que o dinheiro incorpora várias funções: Medida dos valores, padrão dos preços, meio de circulação, moeda (signo do valor), meio de pagamento. Como dinheiro mundial, ele é meio geral de pagamento, meio geral de compra e materialização absoluta da riqueza em geral. O dinheiro é circulação das mercadorias:

“Como ao dinheiro não se pode notar o que se transformou nele, converte-se tudo, mercadoria ou não, em dinheiro. Tudo se torna vendável e comprável. A circulação torna-se a grande retorta social, na qual lança-se tudo, para que volte como cristal monetário. E não escapam dessa alquimia nem mesmo os ossos dos santos nem as res sacrosanctae, extra commercium hominum.” (Marx, 1983, p. 112, grifo nosso)

A compreensão do que de fato é o dinheiro está umbilicalmente ligada ao Trabalho Abstrato: “como medida de valor, é forma necessária de manifestação da medida imanente do valor das mercadorias: o tempo de trabalho.” (Marx, 1983, p.87, grifo nosso).

 

4.    Capital

  

A compreensão de Capital presente nos Manuscritos Econômico-Filosóficos está fundada no conceito de Trabalho Alienado. Por meio desta compreensão, o proletário venderia a si próprio - o que o caracterizaria como um escravo –, naquela época Marx equivocadamente considerava que essa era a compreensão da Economia Política. Vimos acima que a economia política naquele período já compreendia o trabalho como mercadoria e não o trabalhador:

O economista nacional diz-nos que tudo se compra com trabalho, e que o capital não é mais que trabalho acumulado; mas diz-nos, simultaneamente, que o trabalhador, longe de poder comprar tudo, tem de vender-se a si próprio e a sua humanidade. (Marx, 2017, p.251, grifo nosso)

Na realidade o trabalho sob o capitalismo possui um “duplo caráter”, é Trabalho Concreto e Trabalho Abstrato. Com a compreensão equivocada sobre o trabalho -alienado -, Marx aqui (1844) recorre ao trabalho produtor de Valores de Uso que satisfazem as necessidades humanas, o Trabalho Concreto:

“Quando se encontra uma sociedade em enriquecimento progressivo? Com o crescimento de capitais e rendimentos (Revenuen) de um país. Mas isto só é possível α) contanto que seja reunido (zusammengehäuft) muito trabalho, pois capital é trabalho amontoado [aufgehäufte]; portanto, contanto que sejam retirados ao trabalhador cada vez mais produtos seus, que o seu próprio trabalho cada vez mais o defronte como propriedade alheia (fremdes Eigentum) e cada vez mais os meios da sua existência e da sua atividade se concentrem na mão do capitalista.” (Marx, 2017, p.247, grifo nosso)

Portanto, sem a chave de leitura do Trabalho Abstrato - descoberto mais tarde por Marx - que é correspondente ao Capital não era possível a descoberta de que no Modo de Produção Capitalista a riqueza é determinada pelo processo de valorização do valor, que o proletário - Capital variável na relação de produção do Capital - ao vender a sua Força de Trabalho produz Valor e Mais Valor que são apropriados pelo Capitalista, e que “portanto, um valor de uso ou bem possui valor, apenas, porque nele está objetivado ou materializado trabalho humano abstrato.” (Marx, 1983, p. 47)

 

5.    Salário

 

Nos manuscritos a compreensão do que realmente é o Salário, assim como Capital e Dinheiro também é inacessível, devido a chave de leitura equivocada e atualmente anacrônica. Visto que, ao utilizar esta chave anacrônica, o “salário é compreendido como uma consequência imediata do trabalho alienado[...]” (Marx,2017, p.318). Sem o período de estudo que se seguiram a estes primeiros estudos e sem o acúmulo categorial adquirido ao longo destes anos, a compreensão do Capitalismo de Marx em 1844 estava fundamentada no,

“[...] conceito de propriedade privada a partir do conceito do trabalho alienado, exteriorizado, assim todas as categorias nacional-econômicas podem ser desenvolvidas com a ajuda desses dois fatores, e reencontraremos em cada categoria, p. ex., a mesquinharia (Schacher), a concorrência, o capital, o dinheiro, apenas uma expressão determinada e desenvolvida dessas primeiras bases. (Marx, 2017, p.319, grifo nosso)

 

Temos então, de acordo com esta compreensão equívoca, que a determinação do salário ocorre nos seguintes termos:

Segundo o conceito, renda fundiária e ganho de capital são deduções que o salário sofre. Mas, na realidade, o salário é uma dedução que terra e capital deixam chegar ao trabalhador, uma concessão do produto do trabalho ao trabalhador, ao trabalho.” (Marx, 2017, p.252-253, grifo nosso)

O salário é definido aqui como uma concessão da Terra e do Capital ao proletariado, e ainda mais:

“Vemos por isso também que salário e propriedade privada são idênticos: porque o salário, donde o produto, objeto do trabalho, paga o próprio trabalho, é apenas uma consequência necessária da alienação do trabalho, bem como porque no salário o trabalho também não aparece como autofinalidade, mas como servidor do salário.” (Marx, 2017, p.318, grifo nosso)

Se conforme descrito acima, o proletário recebe pelo seu trabalho, fica uma pergunta no ar: De onde viria então o lucro?

Vejamos como Marx trabalha essa questão n’O Capital, onde o autor necessariamente segue a sequência que evidência a relação capitalista: da Mercadoria ao Dinheiro e deste finalmente ao Capital, para depois trabalhar a Mais-Valia Absoluta e Relativa chegando então ao Salário; movimento necessário para exposição do ser do Capital.

Assim como fez ao iniciar seu livro alertando sobre como nos aparece a riqueza na sociedade capitalista, alerta semelhante é feito agora logo no primeiro parágrafo do capítulo sobre o Salário: Na superfície da sociedade burguesa, o salário do trabalhador aparece como preço do trabalho, como um quantum determinado de dinheiro pago por um quantum determinado de trabalho.” (Marx, 1984a, p. 127, grifo nosso). Então, na sequência de sua exposição, Marx compara a relação de trabalho escravista e a assalariada, fazendo uma afirmação diametralmente oposta à que fez nos manuscritos:

No trabalho escravo, a parte da jornada de trabalho em que o escravo apenas repõe o valor de seus próprios meios de subsistência, em que, portanto, realmente só trabalho para si mesmo, aparece como trabalho para seu dono. Todo seu trabalho aparece como trabalho não pago. No trabalho assalariado, ao contrário, mesmo o mais-trabalho ou trabalho não pago aparece como trabalho pago. Ali a relação de propriedade oculta o trabalho do escravo para si mesmo; aqui a relação de dinheiro oculta o trabalho gratuito do assalariado.” (Marx, 1984a, p. 130, grifo nosso)

Sob o Trabalho Alienado todo o trabalho aparece como não pago ao escravo e sob o Trabalho Assalariado o Trabalho aparece como pago; ao associar o trabalho alienado ao assalariado, a conclusão a que se chegou nos Manuscritos não se sustenta, sob o trabalho alienado não há salário, e sob o Trabalho Assalariado o salário não paga o próprio trabalho.

Ressaltamos ainda que a relação social capitalista é mais complexa que a escravista, onde temos os trabalhos Concreto, Abstrato e Assalariado. A afirmação de que todo trabalho seria pago – Manuscritos - não é nada mais que a aparência: A forma salário extingue, portanto, todo vestígio da divisão da jornada de trabalho em trabalho necessário e mais-trabalho, em trabalho pago e trabalho não pago. Todo trabalho aparece como trabalho pago.” (Marx, 1984a, p. 130, grifo nosso)

O Salário oculta na relação capitalista o trabalho não pago. Se todo trabalho fosse pago ao proletariado não existiria o lucro. Na relação de produção capitalista o proletariado vende sua Força de Trabalho em troca do Salário - na realidade adianta e só recebe após produzir. A mercadoria Força de trabalho tem a peculiaridade de produzir Valor e Mais valor, durante parte da jornada o proletário produz o Valor de sua mercadoria, na parte restante da jornada produz Mais Valor, um valor maior do que o valor da mercadoria que vendeu ao capitalista, é daí que vem o ganho do capitalista, o mais valor divide-se em lucro, juro, renda da terra etc. Portanto,

“Compreende-se, assim, a importância decisiva da transformação do valor e do preço da força de trabalho na forma salário ou em valor e preço do próprio trabalho. Sobre essa forma de manifestação, que torna invisível a verdadeira relação e mostra justamente o contrário dela, repousam todas as concepções jurídicas tanto do trabalhador como do capitalista, todas as mistificações do modo de produção capitalista, todas as suas ilusões de liberdade, todas as pequenas mentiras apologéticas da Economia vulgar.” (Marx 1984a, p.130, grifo nosso)

Ainda sobre o Trabalho assalariado e o Trabalho escravo Marx faz mais uma distinção fundamental: “em um caso sua força de trabalho é vendida por ele mesmo, no outro, por terceira pessoa.” (Marx,1984, p. 131). No capitalismo é o proprietário da mercadoria Força de Trabalho quem a vende diretamente ao capitalista, ou seja:

“Para ser vendido no mercado como mercadoria, o trabalho, pelo menos, tem de existir antes de ser vendido. Mas, se o trabalhador pudesse dar-lhe existência independente, então ele venderia mercadoria e não trabalho.” (Marx 1984a, p. 127)

Não é o trabalho que tem em si o Valor sendo uma mercadoria (Valor de Uso + Valor) produzida sob o Capital, se o fosse capitalista não pensaria duas vezes em contratar mão de obra escrava. O fato de no capitalismo vigorar a relação de compra e venda da Força de Trabalho e não a relação escravista, é uma condição sine qua non da existência do Capital. A relação social escravista é completamente distinta da relação Capitalista, no entanto, a escravidão dos indígenas e dos povos de África foi condição para o nascimento do Capital. Enquanto ainda não tinha se colocado sob seus próprios pés, nutriu-se com a mais brutal escravização da humanidade, produziu as condições iniciais de acumulação e separou os trabalhadores dos seus meios de produção e de subsistência, restando-lhes para viver, apenas a possibilidade de venderem sua capacidade de trabalho, assim “[...] o capital nasce escorrendo por todos os poros, sangue e sujeira da cabeça aos pés” (Marx, 1984a, p.292).

Por isso, em sua obra magna Marx faz uma afirmação “tsunâmica” para os economistas clássicos e ao mesmo tempo para os adoradores da categoria Trabalho Alienado. Vejamos:

Na expressão “valor do trabalho”, o conceito de valor não está apenas inteiramente apagado, mas convertido em seu contrário. É uma expressão imaginária como, por exemplo, valor da terra. Essas expressões imaginárias surgem, entretanto, das próprias condições de produção. São categorias para formas em que se manifestam condições essenciais. Que na aparência as coisas se apresentam frequentemente invertidas, é conhecido em quase todas as ciências, exceto na Economia Política.” (Marx 1984a, p. 128, grifo nosso)

O Capital como sistema político econômico ergue-se sob o pedestal do Trabalho Abstrato, sem a venda da mercadoria Força de Trabalho ao Capitalista pelo Proletariado não há lugar para a produção de Capital, de Valor e Mais Valor.

 

 6.    Alienação e Fetichismo 

 

Comecemos analisando alguns trechos da exposição n’O Capital, nos quais, Marx faz uso das categorias Alienação e Estranhamento. Em nossa pesquisa constatamos que a categoria Alienação aparece diversas vezes na obra “O Capital”, notamos também que “[...]a concepção de alienação em Marx não tem uma significação de negatividade[...]”, ou seja, a alienação é resultado de uma relação de troca entre proprietários de mercadoria, uma relação entre iguais juridicamente:

A realização da lei do valor, e do mais-valor, se impõem. O trabalhador recebe o valor de sua força de trabalho e, ao alienar, ou seja, por não ser sua propriedade o valor-de-uso dessa mercadoria, não o é também o que essa força produziu. Veja que a alienação, no contexto de O capital, refere-se, exclusivamente, às determinações da lei do valor. (Oliveira, 2021, p. 320, grifo nosso)

A palavra Estranhamento aparece somente uma vez em todos os três tomos da opus magnum marxiana. No terceiro tomo encontramos o termo estranhável com o que parece ser um sentido mais próximo do conceito presente nos Manuscritos – dependendo da tradução. As palavras estranho, estranha e estranhamente aparecem algumas vezes nos três tomos, muitas vezes com uma significação dentro do uso mais comum dos termos.

Em sua obra de 1844, com base nos conceitos de Alienação e Estranhamento como compreendidos à época “[...] Marx explicava a situação de penúria da classe trabalhadora ou, se se quiser, a negação da essência humana, por meio do processo de expropriação[...]” (Tumolo, 2019, p.23, grifo do autor). A expropriação foi característica da fase de acumulação primitiva ou onde as relações capitalistas de produção ainda não haviam sido inseridas, hoje por toda parte do planeta vigora a relação de compra e venda da Força de Trabalho, portanto a exploração do proletariado é o determinante. Nas palavras de Tumolo (2019):

“No caso da expropriação, supõe-se que o trabalhador está desprovido, ou melhor, que o capital o expropriou de toda e qualquer propriedade, o que provoca um processo de estranhamento/alienação e, por desdobramento, a negação de sua essência humana. No caso da relação de exploração, pressupõe-se que o trabalhador não foi expropriado de tudo, mas, ao contrário, é proprietário de uma mercadoria específica e fundamental, sua força de trabalho, e é nesta condição que comparece ao mercado para vendê-la ao proprietário de meios de produção.”  (Tumolo, 2019, p.24-25, grifo do nosso)

Por isso, entendemos então que o conceito de Alienação tem, portanto, um sentido positivo e o conceito de Estranhamento um sentido negativo estando relacionado diretamente a expropriação.

Marx afirma, no capítulo sobre o salário de “O Capital” que esta forma torna invisível a verdadeira relação ocultando o trabalho gratuito do proletariado, portanto, essa relação aparece como totalmente justa ao trabalhador, e no senso comum nos leva a questionar o “preço do trabalho”, caso o consideremos muito baixo, ou ainda que procuremos um novo emprego com o salário condizente com nossas expectativas. Dessa forma a alienação da nossa mercadoria aparece como uma relação entre iguais e como a forma mais justa possível, não nos é uma relação em que haveria um estranhamento, ao contrário, temos um reconhecimento do “nosso valor”, da importância do nosso trabalho, da nossa profissão, tal qual o professor que ao demonstrar a importância de seu trabalho se indigna com justa razão, diante do salário recebido que não corresponde ao valor de sua atividade e as condições degradantes do exercício de sua profissão.

Reafirmamos que toda luta salarial é fundamental para nossa classe, e deve ser arrancado o máximo possível de Mais Valia das mãos dos Capitalistas e de seu Estado. Nos perguntamos, o que nos diria o senso comum se saíssemos a propagar abertamente o fim do trabalho assalariado, o fim do salário? Seria um exercício interessante, talvez surgisse a pergunta: E como vamos viver sem receber o justo “preço do nosso trabalho”?

Sabemos agora, por meio de tudo que foi exposto até aqui, que em sua obra máxima Marx não trabalha os conceitos de Estranhamento e Alienação como nos Manuscritos Econômico-Filosóficos. Vejamos três exemplos de como aparecem tais conceitos nos manuscritos de 1844, para em seguida analisá-los a luz do Conceito de Fetiche:

1º- Um poder inumano que domina a todos, Capitalistas e Proletários:

A alienação aparece tanto em que o meu meio de vida é de um outro, em que aquilo que é meu desejo é a posse inacessível de um outro, como em que mesmo cada coisa é ela própria um outro de si mesma, como em que a minha atividade é algo de outro, finalmente – e isto vale também para os capitalistas – em que em geral o poder inumano domina.” (Marx 2017, p.403, grifo nosso)

2º- A alienação em dois momentos, a religiosa se passa na consciência e a econômica no mundo real: “A alienação religiosa como tal processa-se apenas na região da consciência, do interior humano, mas a alienação econômica é a da vida real – por isso a sua superação abrange ambos os lados.” (Marx 2017, p.345-346, grifo nosso)

3º - Com o dinheiro o mundo estaria de ponta cabeça, uma combinação entre as características naturais e humanas:

“Uma vez que o dinheiro, como conceito – existente e acionando-se – do valor, confunde, mistura todas as coisas, ele é então a confusão e mistura universal de todas as coisas, portanto, o mundo invertido, a confusão e a mistura de todas as qualidades naturais e humanas.” (Marx 2017, p.419-420, grifo nosso)

No Capital consta a afirmação de que “o próprio trabalhador produz [...] constantemente a riqueza objetiva como capital, como poder estranho, que o domina e explora” (Marx 1984a, p.156, grifo nosso), onde mais Marx fala de tal dominação sob o proletariado, que é fruto de suas mãos, é no capítulo sobre o Fetiche da Mercadoria:

“Não é mais nada que determinada relação social entre os próprios homens que para eles aqui assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas. Por isso, para encontrar uma analogia, temos de nos deslocar à região nebulosa do mundo da religião. Aqui, os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida própria, figuras autônomas, que mantêm relações entre si e com os homens. Assim, no mundo das mercadorias, acontece com os produtos da mão humana. Isso eu chamo o fetichismo que adere aos produtos de trabalho, tão logo são produzidos como mercadorias, e que, por isso, é inseparável da produção de mercadorias.” (Marx 1983, p. 71, grifo nosso)

O Fetiche da Mercadoria tem uma característica que o diferencia fundamentalmente do Fetiche Religioso, é possível a nós no plano da consciência, do conhecimento, superar a crença em quaisquer divindades, o fetiche religioso está encarnado em nossas cabeças e agimos a partir daí como se de fato tivessem vida, portanto, como de fato não estão objetivamente encarnados na realidade podemos superá-los ao erradicá-los em nossa consciência, em nossos cérebros.

Já o Fetiche da Mercadoria está encarnado na própria forma mercadoria, não está fora dela como ocorre ao ídolo – em nossa cabeça -, portanto, não pode ser superado pela consciência, podemos saber sobre e compreender o Fetiche, mas a própria forma mercadoria nos obriga a nos relacionarmos entre nós como coisas e elas assim nos parecem - as mercadorias - dotadas de vida. O mesmo acontece aos Fetiches do Capital e do Dinheiro, é preciso destruir esses “ídolos” para que não tenham nenhum poder sobre a Humanidade, enquanto continuarmos a produzi-los estaremos sob seu domínio:

“O reflexo religioso do mundo real somente pode desaparecer quando as circunstâncias cotidianas, da vida prática, representarem para os homens relações transparentes e racionais entre si e com a natureza. A figura do processo social da vida, isto é, do processo da produção material, apenas se desprenderá do seu místico véu nebuloso quando, como produto de homens livremente socializados, ela ficar sob seu controle consciente e planejado. (Marx, 1983, p.76, grifo nosso)

 

Nos Fetichismos da Mercadoria, do Dinheiro e do Capital objetivamente vigora o domínio objetivo sob a humanidade, quando na realidade são produto das mãos humanas. O Capital aparece como dotado de vida própria, como se não fosse mais necessário o proletariado - que curiosamente na relação torna-se Capital Variável -, como criador de si próprio e o Dinheiro que parece possuir Valor por si e para si, é na verdade uma mercadoria, é circulação de mercadorias, nas palavras de Marx:

“As mercadorias encontram, sem nenhuma colaboração sua, sua própria figura de valor pronta, como um corpo de mercadoria existente fora e ao lado delas. [...] são imediatamente a encarnação direta de todo o trabalho humano. Daí a magia do dinheiro. A conduta meramente atomística dos homens em seu processo de produção social e, portanto, a figura reificada de suas próprias condições de produção, que é independente de seu controle e de sua ação consciente individual, se manifestam inicialmente no fato de que seus produtos de trabalho assumem em geral a forma mercadoria. O enigma do fetiche do dinheiro é, portanto, apenas o enigma do fetiche da mercadoria, tornado visível e ofuscante.” (Marx, 1983, p.85, grifo nosso)

Aquilo que Marx apenas intuiu em seu primeiro grande esforço de apreensão do ser do capital – conforme demonstrado nos 3 itens acima -, o domínio do Capitalismo sob o proletariado para além da consciência, a inversão onde as criaturas (Mercadoria, Dinheiro e Capital) aparecem como os criadores e vice-versa, aparece em sua obra máxima em um outra qualidade, saindo do Trabalho Alienado – anacrônico - e demonstrando a alienação como não negativa - relação  de troca entre proprietários de mercadoria -, para o Trabalho Abstrato levando-o a descoberta de como se dão de fato as relações capitalistas de produção.

Acreditamos que podemos recorrer agora a um exemplo na arte, na produção da humanidade para demonstrar com um exemplo o Fetichismo. Recentemente foi lançado um jogo de vídeo game, “Clair Obscur: Expedition 33” - clair obscur é uma técnica de pintura muito utilizada no Renascimento onde se contrastam as áreas claras e escuras de uma pintura.

No jogo somos apresentados a todo um universo onde os habitantes de uma ilha, Lumière, anualmente realizam uma cerimônia denominada Gommage. No porto da ilha, no continente longínquo avistam-se uma figura gigantesca, a Artífice e um igualmente dantesco Monólito, uma vez ao ano essa figura, a Artífice se levanta e pinta um número no monólito seguindo uma ordem decrescente e todos os habitantes da ilha que possuem a idade correspondente ao número são apagados, desaparecem, assim sendo, se as coisas continuarem como estão aquela sociedade desaparecerá do mapa.

Para impedir tal destino, anualmente muitos dos que estão em seu último ano de vida - que será ceifada no Gommage - partem em uma expedição para impedir a artífice de pintar o próximo número no monólito. O Jogo se passa durante a expedição 33 – 67 expedições aconteceram antes -, acompanhamos os expedicionários em sua tentativa de fazer que a Artífice nunca mais se levante e volte a pintar no monólito. Sem mais demoras, finalmente a Artífice é detida. Logo em seguida descobrimos que a Artífice que na realidade é Aline, estava durante 67 anos impedindo que Renoir seu esposo - que vivia preso embaixo do monólito, “apagasse” todos de Lumière. Com a Artífice “detida”, todos então são apagados e sobram os personagens controlados pelo jogador.

Finalmente vem a descoberta de que todo aquele universo é um quadro pintado por Verso, filho de Aline Dessendre e Renoir Dessendre. No mundo fora daquela pintura são chamados de Pintores e estão em uma guerra contra os Escritores, todos aqueles presentes no quadro, exceto a família Dessendre, são criações dos pintores. Sem mais delongas temos de escolher ao final entre destruir o quadro ou permanecer naquele universo em forma de obra de arte.  

 


Afinal o que toda essa história tem que ver com o Fetichismo? Muito bem, o Fetichismo assim como o quadro é uma obra real das mãos humanas, não é uma mera ilusão, enquanto o quadro existir haverá vida dentro dele, os habitantes de Lumière, mesmo sendo criações no quadro, choram, sorriem, tem filhos, sofrem etc., são, portanto, vivos graças as mãos humanas dos Dessendre; assim também se passa com os Fetiches, da Mercadoria, do Dinheiro e do Capital. Eles possuem aparência objetiva, nos relacionamos com eles como se fossemos criaturas e não criadores, assim como parte dos Dessendre - Aline e Alícia - que não queriam sair de dentro de sua obra, que preferiam viver nela, mesmo tendo plena consciência de que o quadro era uma criação. O Fetiche não pode ser superado pela consciência. Era necessário destruir o quadro para libertar os Dessendre, assim como é necessário fazê-lo em relação a Mercadoria e ao Capital. Tanto o quadro quanto o Fetichismo possuem existência objetiva, Lumiére não é mera ilusão ou imaginação, existe, assim também se dá com a forma mercadoria e seu fetiche, onde a humanidade só pode se relacionar entre si como coisas e suas criações as próprias mercadorias como dotadas de vida. Como escreveu Marx (1983, p, 70, grifo nosso): À primeira vista, a mercadoria parece uma coisa trivial, evidente. Analisando-a, vê-se que ela é uma coisa muito complicada, cheia de sutileza metafísica e manhas teológicas.”

O quadro possuía parte do espírito inventivo da energia vital de seu criador Verso Dessendre, o mesmo se passa com a Mercadoria, dotada do Valor que tem como substância o Trabalho Abstrato, ou seja, músculos, nervos e cérebros de todo o Proletariado Mundial.

 

7.    As Crises e o Fetichismo

Imagem gerada

“O povo, ao ver que Moisés demorava a descer do monte, juntou-se ao redor de Arão e lhe disse: "Venha, faça para nós deuses que nos conduzam, pois a esse Moisés, o homem que nos tirou do Egito, não sabemos o que lhe aconteceu". Respondeu-lhes Arão: "Tirem os brincos de ouro de suas mulheres, de seus filhos e de suas filhas e tragam-nos a mim". Todos tiraram os seus brincos de ouro e os levaram a Arão.

Ele os recebeu e os fundiu, transformando tudo num ídolo, que modelou com uma ferramenta própria, dando-lhe a forma de um bezerro. Então disseram: "Eis aí os seus deuses, ó Israel, que tiraram vocês do Egito!" Vendo isso, Arão edificou um altar diante do bezerro e anunciou: "Amanhã haverá uma festa dedicada ao Senhor". Na manhã seguinte, ofereceram holocaustos e sacrifícios de comunhão. O povo se assentou para comer e beber, e levantou-se para se entregar à farra.” (Êxodo 32: 1-6)”

 

Em Wallstreet no ano de 1989, após a crise de 1987 o artista italiano Arturo Di Modica instalou ilegalmente a obra conhecida por Charging Bull, com cerca de 3,5 toneladas. É um símbolo do poder do Capitalismo, foi criado sob inspiração de outra obra “O Touro e o Urso” que está em frente a bolsa de valores de Frankfurt na Alemanha desde 1985, o touro representa o período de alta no mercado referente ao seu ataque onde ao chifrar joga para cima o alvo do ataque e o urso simboliza o período de queda já que seu ataque acontece de cima para baixo.

 Inicialmente convém lembrarmos, como escreveu Marx (1984, p.64), que “a vida da indústria se transforma numa sequência de períodos de vitalidade média, prosperidade, superprodução, crise e estagnação.” assim, em Wallstreet é exaltado o período de prosperidade do ciclo, em Frankfurt este e as crises, encarnando a ilusão derivada dos Fetiches do Dinheiro e do Capital. Na esfera da circulação onde se encontra a bolsa de valores, reina o Fetichismo do Capital e do Dinheiro, segundo a reportagem do Valor Econômico “[...] a escultura original em bronze é reconhecida no mundo dos negócios como um símbolo de sorte. Diz a lenda que coçar o focinho, agarrar seus chifres ou testículos traz sucesso.” O chamado “mercado financeiro”, que crê no dinheiro que nasce de si próprio e do Capital que se autovaloriza, como originário e produzido no além ou em Nerverland, onde seus habitantes se recusariam a sair da infância, tal qual Peter Pan assombrado por um Capitão Gancho, que insiste em lhes recobrar a sua ligação umbilical com o Capital Industrial - que não é sinônimo de fábrica, mas de produção sob a relação capitalista - e as outras fases do ciclo: vitalidade média, superprodução e estagnação.

Por outro lado, as duas obras escancaram uma coisa que a princípio parece óbvia a nós, mas não o é, a crise que nos parece ser o anúncio do fim da relação social capitalista é na realidade parte constituinte de todo o ciclo, em outras palavras a produção de capital leva a ela e ela leva de volta ao ciclo, é a parte constituinte e necessária como todas as outras fases, portanto, “[...] sob nenhuma hipótese, tal movimento pode ser entendido como base para uma imediata reação dos trabalhadores numa perspectiva insurrecional.” (Oliveira, 2021, p.409)

A obra “O Touro e o Urso”, nos serve por esse outro ângulo como alerta de algo que está ali escancarado e ao mesmo tempo velado: o Urso – crise - é parte fundamental do ciclo, na matéria do site encontramos as seguintes definições: -Pergunta: “O que é Bear market? Resposta:

Já o Bear Market (mercado urso) se trata do movimento inverso: acontece quando o mercado espera uma tendência de baixas. Quando há um pessimismo em relação à economia, os preços das ações caem. Quem opta por investir nestes momentos pode obter lucros no futuro, pois os ativos costumam estar com preços abaixo do esperado. Assim, quando a economia se recuperar, a tendência é que o valor do papel suba, valorizando o investimento.” (Santos, 2023)

O momento da crise também pode ser usado na bolsa de valores como oportunidade de enriquecimento para seus investidores nos ciclos subsequentes, assim como o é na esfera da produção de Capital:

“As crises gerais, portanto, se configuram sempre como uma verdadeira catástrofe. No entanto, como se tem demonstrado neste estudo, isso não se configura como condições objetivas para um processo revolucionário. Ao contrário, nas épocas de crise, a classe trabalhadora é submetida às mais diversas penúrias e as aceita para conseguir manter sua existência. Não há, em Marx de O capital, uma relação de igualação entre as crises gerais do capital com a abertura de uma possível janela revolucionária. Aliás, como se observou neste trabalho, as crises gerais do capital se manifestam como mecanismo de sobrevivência da vida do capital e como desespero pela sobrevivência dos trabalhadores. O ponto de chegada de um ciclo não é a crise estrutural, e sim o ponto de partida para um novo ciclo. Esse movimento é constante: onde o capital penetra, consolida-se e desenvolve-se. Trata-se de uma lei geral da forma de ser do capital.” (Oliveira, 2021, p.409, grifo nosso)

Quando vem a crise, o “deus” Capital exige com toda violência o aumento da quantidade de sacrifícios de seres humanos no altar do Capital, saindo renovado das cinzas do proletariado reinicia novamente seu ciclo até a próxima crise. Há, portanto, um “deus” no altar do mercado financeiro.

Mas os seus adoradores sempre se esquecem que essa divindade está fundada sobre o Trabalho Abstrato, realizado pelo Proletariado em todas as partes do globo, volta e meia essa realidade é escancarada caindo como um raio sobre as suas cabeças, lançado por um Moisés furioso, nessas situações a realidade revela momentaneamente que o Trabalho Abstrato realizado pelos produtores de Capital, os trabalhadores e sua Força de Trabalho, que produzem as Mercadorias e o Capital são o elemento fundante do ser do Capital.

 

8.      Considerações Finais

 

Na introdução citamos como exemplo de utilização da categoria Trabalho Alienado, Silvia Federici e seu Livro “Calibã e a Bruxa”, porém, o teórico de maior envergadura cuja obra tem como grande pilar a categoria Trabalho Alienado é István Mészáros, sua concepção sobre o capitalismo é predominante na academia e em grande parte dos movimentos e partidos anticapitalistas.  Como demonstrou, Oliveira (2021) em sua tese “Para Além ou Para Aquém do capital? Apontamentos Críticos Acerca do Universo Categorial de István Mészáros”.

Em sua análise minuciosa da obra máxima do filosofo húngaro, Oliveira (2021) demonstra com grande rigor as implicações desta obra - tanto teóricas quanto práticas- para a luta do proletário contra o Capital.

Com escrevemos neste artigo, Marx abandona o carácter negativo da Categoria Alienação utilizada nos manuscritos e adota a categoria Fetichismo em o Capital conforme demostrado por Tumolo (2019) a incompreensão da categoria Fetichismo é danosa para os que lutam contra o Capital.

O Livro de Bueno (2021): “A teoria do fetichismo em Karl Marx e a educação” - na qual no qual autora publica sua análise de vital importância sobre o tema - é sem dúvidas fundamental, incontornável, para conhecermos a fundo o oponente do proletariado em sua luta pela Emancipação.

As duas obras fundamentais (Oliveira e Bueno), oferecem um arsenal poderoso para aqueles que estão na luta contra a relação anticapitalista, na luta contra a exploração capitalista da grande maioria da humanidade por uma "meia dúzia" de exploradores. Recomendamos o estudo de ambas e também de “O Capital” para aqueles que querem cientificamente compreender o capitalismo.

Para travar um bom combate com reais possibilidades de vitória, não podemos procurar justificar nossas hipóteses e argumentos "ao bel prazer",  encaixando de forma arbitrária a realidade ás nossas ideias, escolhendo partes das obras de Marx - negando a totalidade de sua pesquisa e  ignorando a incontornabilidade de sua obra maior que  revelou o Ser do Capital utilizando um rascunho, anotações de um estudioso como se fosse um livro sagrado em trechos recortados, quando o próprio autor publicou sua obra magna, sua obra prima, que estes senhores subestimam ou simplesmente abandonam. 

O método científico passa longe de recorrer a afirmações categóricas, ora nos Grundrisse, ora nos Manuscritos, opondo rascunhos e esboços frente ao trabalho onde está a grande descoberta de Marx. Que nome deveríamos dar a tal prática?

Em nome das “teses” mais estapafúrdias Marx é colocado no ringue contra ele próprio, como se existisse um Marx cindido, um jovem e um velho - nunca se falou e se estudou tanto um homem, e ao mesmo tempo se conheceu tão pouco sobre ele.

E onde aposta a esquerda atualmente?  No “jovem”! Cegos pela aparência mais mesquinha e tacanha, esses cavaleiros carregam em sua fronte três palavras marcadas a ferro: Trabalho Alienado, Alienação e Estranhamento.

Eis aí a sua santíssima trindade! Agarrados a esses conceitos como os hebreus se agarraram ao bezerro de ouro.

Frente a essa esquerda do e para o Capital, o que nós Emancipacionistas afirmamos é simples:

 - “Seu ringue na realidade não passa de um altar onde insistem em fazer sacrifícios ao deus Capital! A obra-prima não pode ser convertida em um ‘ícone inofensivo’!”

Nosso ponto de partida é a obra-prima, nossa luta é contra o capitalismo com o objetivo claro de dar fim a todas as degradações e conquistar a Emancipação Humana.

Não podemos nos dar ao luxo de abandonar nossa poderosa veste teórica – O Capital -, os Capitalistas e suas grandes corporações não brincam em serviço, em nome do lucro utilizam seu Estado para os fins da acumulação sempre crescente de Capital, e no caso da Palestina cometendo um genocídio sem mover sequer uma única ruga.

O capital não só nasceu escorrendo sangue por todos seus poros como continua a se alimentar da exploração do proletariado, sugando com toda sanha seu sangue, músculos, nervos e cérebros.

Criamos esse ser com nossas mãos! Pela exploração, por meio do nosso Trabalho Abstrato ele se mantém vivo, podemos destruí-lo assim como o criamos, por meio de nossas próprias mãos.

E se alguém nos questionar por onde andará a Emancipação Humana, responderemos:

Ela está encarnada em todos aqueles que buscam “por quaisquer meios necessários” - como diria Malcolm X - o fim da exploração capitalista.

Na luta do esboço contra a obra prima, nós, apesar da moda reversa, ficamos com a obra capital.

Por Malcolm S. Dias 

 

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 Leituras Recomendadas:

1- PARA ALÉM OU PARA AQUÉM DO CAPITAL? APONTAMENTOS CRÍTICOS ACERCA DO UNIVERSO CATEGORIAL DE ISTVÁN MÉSZÁROS - ANDRÉ RICARDO OLIVEIRA

Link de acesso:

https://drive.google.com/file/d/1HfE2SIwD8NnQE-JnFIbicJPkTLFdfHHT/view

2- A TEORIA DO FETICHISMO EM KARL MARX E A EDUCAÇÃO - JULIANE ZACHARIAS BUENO

Link de acesso: 

https://www.google.com/url?sa=t&source=web&rct=j&opi=89978449&url=https://editoriaemdebate.ufsc.br/catalogo/wp-content/uploads/JULIANE_BUENO-TEORIA-DO-FETICHISMO.pdf&ved=2ahUKEwjmjczLs8GOAxVsqpUCHXimGnoQFnoECBYQAQ&usg=AOvVaw3Ak2bb1JY3f1f7M-iTB1aQ

3- TRABALHO, CAPITAL E FORMAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA 

TRABALHO ALIENADO E CAPITAL EM MARX: CONTRIBUIÇÕES PARA UM DEBATE - PAULO SERGIO TUMOLO 

Link de acesso: 

https://www.google.com/url?sa=t&source=web&rct=j&opi=89978449&url=https://editoriaemdebate.ufsc.br/catalogo/wp-content/uploads/TUMOLO-TRABALHO-CAPITAL-CLASSE-EBOOK.pdf&ved=2ahUKEwjS5vD1u8GOAxXCDrkGHUjQKo8QFnoECBUQAQ&usg=AOvVaw23-tCte3mkyP6mI80UXfbT 

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Referências

OLIVEIRA, André Ricardo. Para além ou para aquém do capital? Apontamentos críticos acerca do universo categorial de István Mészáros. 2021. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências da Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Florianópolis, 2021.

BUENO, Juliane Zacharias. A teoria do fetichismo em Karl Marx e a educação [recurso eletrônico]. Florianópolis: Editoria Em Debate/UFSC, 2021.

TRABALHO, capital e formação da classe trabalhadora [recurso eletrônico] / Paulo Sergio Tumolo (org.); Neide de Almeida Lança Galvão Favaro [et al.]. Dados eletrônicos. Florianópolis: Editoria Em Debate/UFSC, 2019.

MARX, Karl. Cadernos de Paris e Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844. São Paulo: Expressão Popular. [1ª reimpressão, 2017].

MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro I, tomo 1. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro I, tomo 2. São Paulo: Abril Cultural, 1984a.

MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro II. São Paulo: Abril Cultural, 1984b.

MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro III, tomo 1. São Paulo: Abril Cultural, 1984c.

MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro III, tomo 1. São Paulo: Abril Cultural, 1985.

MARX, Karl. Trabalho Assalariado e Capital. São João del Rei, 2009. E-book.

LENIN, Vladímir Ilitch. O Estado e a revolução: a doutrina do marxismo sobre o Estado e as tarefas do proletariado na revolução. São Paulo: Boitempo, 2017.

FEDERICI, Silvia. Calibã e a Bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante, 2017. 

https://valor.globo.com/financas/noticia/2021/11/18/touro-de-wall-street-conheca-a-historia-de-um-simbolo-de-forca-e-poder.ghtml

https://borainvestir.b3.com.br/tipos-de-investimentos/renda-variavel/acoes/bull-market-e-bear-market-o-que-sao-e-quando-acontecem/

https://super.abril.com.br/coluna/oraculo/por-que-o-touro-e-simbolo-da-bolsa-de-valores/#google_vignette

 



[1] Definição presente no Dicionário de Economia (Os Economistas), Editora Abril Cultural, 1985.