Vivemos
tempos de angústia. As ameaças bélicas, a pilhagem dos recursos naturais, a
violação do direito internacional e a complacência com os abusos dos grupos de
poder marcam os passos de um presente que hipoteca o futuro dos povos em nome
dos interesses de poucos. “Que mundo é esse?”, pergunta quem sente o cheiro da
morte no ar.
Mergulhados numa sensação de impotência,
muitos preferem fechar os olhos. Outros explicam o mal apelando a forças
sobrenaturais que dispensam as responsabilidades humanas. Alguns buscam
definições impactantes, mas sem efeitos práticos. Também não falta quem repete
um punhado de chavões para despertar a classe trabalhadora da letargia em que
se encontra. Quase inexistentes são aqueles que tecem com os simples um diálogo
prático e teórico que transforma a inconformidade com os acontecimentos em
resistência coletiva.
Em momentos como estes, resgatar o passado
permite ver fragmentos da trajetória percorrida pelo capital e, neles, o que deixamos
de levar a sério enquanto agentes da mudança. Olhar para trás não fornece as
respostas de que precisamos para as tempestades do futuro, mas ajuda a tomar
consciência das miragens que, ao prometer alguma melhora, calaram nossas
rebeldias e nos levaram aos atuais estágios de exploração e submissão.
Neste contexto, a palavra “imperialismo”
voltou a marcar presença nas análises de conjuntura. Diante da dificuldade de
muitos em entender do que se trata, tivemos a ideia de mostrar alguns de seus
mecanismos resgatando um momento da história da humanidade. Entre as inúmeras
possibilidades, escolhemos as Guerras do Ópio por reunirem um conjunto de
elementos cuja clareza dispensa longas explicações. Conhecer as características
da época, os acontecimentos que levaram aos conflitos e o esforço de Karl Marx
para restabelecer a verdade dos fatos nos mostrará as pegadas de quem, ao
conhecer o que significa colocar o lucro acima da vida coletiva, luta para
criar um mundo onde haja tudo para todos.
1. China
e Inglaterra nos albores de 1800.
No início do século XIX, a China estava no
auge da sua grandeza imperial. Com uma economia voltada à autossuficiência e
exportando porcelanas, tecidos de seda, chá e especiarias, o PIB do país
representava cerca de 30% da riqueza mundial.
Administrado pela dinastia Qing, o país atraía as atenções do Ocidente pelas
potencialidades do seu mercado consumidor. Mas não era fácil vender na China os
manufaturados produzidos fora dela.
Com uma agricultura, atividades artesanais e uma
rede de distribuição interna que satisfaziam as necessidades de uma população
em crescimento, o país não precisava do que os europeus traziam em seus navios.
Além disso, para proteger a economia local do contrabando e dos efeitos deletérios
criados por produtos vendidos a preços artificialmente baixos, a dinastia Qing
havia limitado o comércio exterior ao porto de Guangzhou onde as trocas eram
feitas por intermediários que se reportavam diretamente às autoridades
imperiais. Enquanto isso, a crescente demanda por produtos chineses na Europa
ampliava os déficits comerciais que, conforme as regras vigentes, eram quitados
usando a prata como meio de pagamento.
Com as fábricas produzindo a todo vapor e uma
marinha de guerra entre as mais letais da época, a Inglaterra olhava para a
China como o destinatário ideal dos excedentes produzidos pelo seu parque
industrial. Mas, enquanto as caixas de chá anualmente adquiridas haviam passado
de 12.700, em 1720, para 360.000, em 1830, a quantidade de manufaturas exportadas
seguia muito abaixo do esperado, elevando assim os déficits comerciais que
alimentavam os cofres de Pequim com crescentes volumes de prata.
Virar o jogo demandava encontrar algo que a população local desejasse em
quantidades cada vez maiores, assim como ocorria em relação ao chá consumido na
Inglaterra.
Num cenário de naturalização dos abusos com os
quais Londres submetia nações inteiras aos seus interesses, o contrabando do
ópio foi se afirmando como um caminho promissor. A urgência de tornar
superavitária a balança comercial com a China calava as restrições de ordem
ética, religiosa e moral nos mais diferentes setores da sociedade inglesa. Acostumados
que estavam a justificar os mais diferentes tipos de violência contra os povos como
caminho para o progresso e a civilização, governantes e empresários viam o
tráfico deste entorpecente como um mal necessário.
2. Ópio:
de remédio a veneno de um império.
Extraído da papoula, o ópio é uma substância
narcótica que, no início de 1500, foi introduzida na China por mercadores
árabes que conheciam seus usos medicinais. Ao mastiga-lo e engoli-lo, os
pacientes aliviavam suas dores, reduziam os reflexos da tosse, sentiam uma
sensação de relaxamento e sonolência que auxiliava o tratamento.
O uso do ópio como entorpecente veio do Ocidente
que preparava a droga de forma a possibilitar a sua mistura com o tabaco
utilizado nos cachimbos. A inalação da fumaça produzida pela combustão
provocava sensações de leveza, euforia e um sono relaxante. Quanto mais o uso
da droga extrapolava as doses e as formas recomendadas pela medicina, mais a
substância causava crises de abstinência costumeiramente vencidas com a
utilização de maiores quantidades.
A necessidade de romper este círculo vicioso
que destruía a vida dos usuários já era visível no decreto imperial de 1729 que
proibia a cultura e o comércio do ópio no país. A medida teve efeitos positivos,
mas pouco pôde fazer para evitar que a atração pela droga pusesse fim à sua
utilização fora da medicina.
Os problemas causados pelo entorpecente voltaram
a aumentar em 1773, quando a Companhia Britânica das Índias Orientais deu os primeiros
passos para ampliar a sua comercialização através do contrabando. De acordo com
os registros existentes, em 1730, apenas 200 baús de 63 kg de ópio entravam
anualmente em Guangzhou. Setenta anos depois, este volume chegava a 4.500 baús.
Por isso, em 1796, os efeitos maléficos do ópio entre as classes abastadas
forçaram o imperador a proibir novamente o seu comércio.
O que, para Pequim representava uma séria
ameaça à saúde pública, para a Inglaterra era uma fonte de lucro capaz de
concorrer com o tráfico de escravos da África para as Américas. Os números da
época não deixam margem à dúvida. Em 1813, os custos de produção de um baú de
ópio na Índia somavam cerca de 240 rúpias. A mesma quantidade da droga era
vendida no porto de Guangzhou por um preço correspondente a 2.400 rúpias.
Dezoito anos depois, em 1831, a forte demanda chinesa pelas rotas do
contrabando elevava este valor a uma quantidade de prata equivalente a 20.000
rúpias.
O ópio traficado na China era produzido na Índia,
onde, desde o início de 1800, a Inglaterra havia imposto a substituição dos
cultivos de alimentos pelas lavouras de chá e de papoula em amplas extensões do
seu território. O crescimento exponencial deste processo trouxe fome e miséria a
muitas regiões que dependiam da agricultura de subsistência para alimentar suas
populações. Desta forma, a produção do entorpecente que semeava a morte na Índia
gerava as condições que levariam a destruir a economia da China quanto bastava
para dobrá-la aos interesses da Inglaterra.
Graças aos ganhos oferecidos, a rede de
contrabando foi envolvendo mercadores e autoridades locais, funcionários públicos,
militares e membros da Corte Imperial. Quanto mais o ópio ganhava terreno, mais
famílias mergulhavam na pobreza e maiores eram os desequilíbrios econômicos
registrados. De fato, à medida que os camponeses deixavam de investir os recursos
destinados à produção das safras para comprar o entorpecente, a produção de
alimentos encolhia e a escassez assim provocada fazia os preços subirem.
À medida que a quantidade de ópio vendida na
China passava de 4.500 baús anuais, em 1800, para 37.000 baús, em 1836,
a prata do império fluía abundantemente para os cofres ingleses. Com uma menor
quantidade do precioso metal circulando na economia, as moedas de cobre com as
quais os chineses realizavam as compras do dia a dia sofriam uma desvalorização.
Para termos uma ideia desta realidade, basta pensar que, entre 1735 e 1799, um
tael de prata podia ser comprado por 800 moedas de cobre. Em 1830, a taxa de
câmbio registrava a necessidade de ter 1200 moedas de cobre para comprar a
mesma quantidade de prata.
Desta forma, as condições de vida da população pioravam sob o efeito de quatro
problemas simultâneos: a escassez de produtos, a alta dos preços por ela
provocada, a desvalorização das moedas de cobre e a necessidade de usar uma
maior quantia delas para adquirir a prata com a qual eram pagos os impostos.
Em 1813, o impacto dos problemas econômicos e
sociais criados pelo ópio levou o imperador a aumentar drasticamente as sanções
pelo uso e a comercialização da droga. Contudo, não havia como o decreto produzir os
resultados almejados. Quanto maior o número de membros da própria corte e da
estrutura do Estado envolvidos no contrabando, mais difícil se tornava combater
esta praga na base das proibições.
Diante da ausência de resultados,
em 1838, o soberano chinês entregou a Lin Zexu, governador de duas províncias e
firme opositor do tráfico de ópio, a tarefa de banir a droga do território
nacional. O comissário agiu em três direções simultâneas. A primeira visava
punir os viciados e oferecer o tratamento necessário à sua recuperação. A
segunda buscava isolar o tráfico interno dos centros fornecedores para melhor
reprimi-lo. E a terceira usava a apreensão das cargas de ópio para provocar
prejuízos que inviabilizassem a continuidade da comercialização do entorpecente.
Neste contexto, em 1839,
Lin confiscou e queimou em praça pública mais de 20.000 baús de ópio que os
comerciantes ingleses haviam armazenado em Guangzhou. A ação enfureceu os
proprietários da droga que, ao considera-la uma afronta à Inglaterra, pediram
uma intervenção armada contra a China. Por incrível que pareça, uma medida que
visava proteger o povo e a economia dos efeitos devastadores do ópio gerava a
faísca que ampliaria através das armas a destruição provocada pela droga.
3. 1839-1842:
a primeira guerra do ópio marca o futuro da China
O clamor levantado pela queima dos estoques
não demorou a ser objeto de discussão no Parlamento inglês e na Corte de sua
majestade. Diante do aumento das tensões, Lin Zexu escreveu à rainha Vitória I pedindo
que erradicasse as plantações de ópio da Índia. Num trecho da sua mensagem, o emissário
do imperador apelava à coerência da soberana dizendo: “Não permitis que o vosso próprio povo fume, sob severas penalidades em
caso de desobediência, conhecedora que sois da maldição que isso é, e,
portanto, proibindo estritamente tal prática. Mas, ainda melhor do que proibir
o povo de fumar, não seria proibir a venda e também a preparação do ópio? Não
fumarmos, mas termos o despudor de preparar, vender e induzir as massas ignaras
do interior a que o façam significa protegermos a nossa própria vida enquanto
levamos outros à morte, significa obter lucros enquanto arruinamos e causamos
danos irreparáveis a outros”.
Lin finalizava a carta ameaçando cortar a exportação de produtos chineses para
Londres, algo que, segundo supunha, faria muita falta aos súditos de sua
majestade.
A resposta da Inglaterra foi curta, grossa e
pelas vias de fato: as ações chinesas de combate ao contrabando do ópio seriam
tratadas como atos de pirataria. Por isso, a partir do final de 1839, as
canhoneiras da sua marinha de guerra começaram a escoltar os navios que transportavam
a droga da Índia para a China. Enquanto isso, em Londres, a guerra continuava
sendo defendida como a única medida capaz de proteger o sagrado direito ao
livre comércio, pouco importando que a mercadoria em questão fosse o ópio. A
necessidade do enfrentamento era sublinhada pelas histórias que apresentavam a
China como um país atrasado e dominado por governantes que, com suas políticas
retrógradas, impediam a livre troca de mercadorias que tanto beneficiaria o
progresso local. Quanto maior a ênfase colocada nestes argumentos, mais a guerra
para impor o comércio da droga ganhava um caráter civilizador e era vista como
uma questão de justiça.
Neste cenário, em janeiro de 1840, a luta
contra o contrabando provocou um breve confronto entre a marinha chinesa e os
navios de guerra que escoltavam os cargueiros. Não demorou muito para que as
seguidas violações da proibição do comércio de ópio levassem o imperador a
fechar os portos do país às embarcações inglesas. Foi o estopim para o início
das hostilidades.
Após acalorados debates no Parlamento, o
governo de sua majestade enviou 20 navios de guerra com 7.000 soldados. Este
contingente foi reforçado com outro ainda mais numeroso de mercenários
embarcados na Índia. No início de 1841, a esquadra inglesa iniciava uma série
de bombardeios que mostrariam a superioridade do armamento com o qual contava.
Enquanto os canhões do império sequer conseguiam atingir os navios próximos da
costa, a eficiência da artilharia britânica espalhava morte e destruição em
terra firme sem que as embarcações de onde disparava sofressem dano algum.
Vencidas as barreiras defensivas, o desembarque dos soldados dava início a uma
série de pilhagens, estupros e homicídios que espalhavam o terror nas regiões
litorâneas.
Em Hong Kong e em outras cidades, milhares de
pessoas pegaram em armas contra os agressores. A resposta do povo renovou o
ânimo das tropas imperiais, abatido pelas seguidas derrotas. Em março de 1842,
o exército chinês tentou libertar as cidades de Dinghai, Zhenhai e Ningbo. Mas
este esforço foi rapidamente derrotado pelos ingleses com o apoio de navios de
guerra dos EUA e da França, países que já integravam o contrabando de ópio e
queriam aproveitar do conflito para ampliar os seus negócios.
Sabendo que a guerra não demoraria a chegar à
capital do império, o mandatário chinês enviou seus representantes para
negociar um acordo de paz.
4. 1842:
a paz que leva a China à pobreza
Em 29 de agosto de 1842, China e Inglaterra
assinavam o Tratado de Nanjing. Pelos termos do acordo, Pequim cedia a ilha de
Hong Kong e abria os portos de Guangzhou, Xiamen, Fuzhou e Xangai aos navios ingleses.
Além destas concessões, o imperador se comprometia a pagar 21 milhões de taeis
de prata, sendo que 6 milhões destinavam-se a compensar os baús de ópio
sequestrados e queimados, 12 milhões a pagar os gastos bélicos da Inglaterra e
3 milhões a quitar dívidas comerciais pendentes. O tratado também estabelecia a
soltura imediata de todos os cidadãos britânicos encarcerados e a anistia
incondicional aos chineses detidos por trabalharem em seus empreendimentos. O
texto nada dizia em relação ao comércio da droga propriamente dito, mas, ao
acabar com a regulamentação do comércio internacional nos portos concedidos e
em Hong Kong, facilitava a ampliação do contrabando. Os números registrados
pela história não deixam dúvidas em relação a isso. Se o ano de 1836 havia
conhecido a venda de 37.000 baús de ópio, em 1850, o volume contrabandeado
havia alcançado os 50.000 baús.
Mas isso ainda não oferecia à Inglaterra a
liberdade desejada. Por isso, sob a ameaça de uma retomada das ações militares,
em outubro de 1843, os emissários do imperador assinaram o tratado de Bogue. Os
termos acordados mantinham tudo o que havia sido pactuado um ano antes e
acrescentavam 5 pontos fundamentais. O primeiro deles garantia que os cidadãos
britânicos que houvessem incorrido em algum crime fossem julgados pelos
tribunais e leis do país de origem o que, na prática, oferecia a impunidade a
quem viesse a ser preso por participar do tráfico de ópio.
Os quatro itens restantes envolviam o direito
de atracar navios de guerra ingleses em todos os portos chineses (mantendo assim
uma presença ostensiva no litoral do império); uma tarifa de, no máximo, 5%
sobre os produtos manufaturados trazidos de outros países (a mais baixa da
época); canais diretos de negociação com o imperador; e a aplicação da cláusula
de “nação mais favorecida”, graças à qual os países amigos ou aliados da
Inglaterra desfrutariam indiretamente das suas mesmas vantagens comerciais.
A realidade imposta pelos tratados desencadeou
uma reação em cadeia que ampliou fortemente a miséria e a concentração de renda
na China. De um lado, quanto maior a quantidade da droga vendida nos
territórios do império, maiores eram os efeitos devastadores sobre a sua
economia e, sobretudo, no empobrecimento da população.
Sem conseguir pagar os impostos e as dívidas
contraídas, muitos agricultores cujos recursos haviam sido gastos na compra do
entorpecente acabavam perdendo as terras de onde extraíam o sustento. O fato de
as mesmas serem compradas por grandes proprietários locais não garantia os
cuidados que proporcionariam uma produção de grãos capaz de satisfazer uma
população que não parava de crescer. Além disso, para honrar as dívidas de
guerra, o imperador aumentou os impostos e reduziu os gastos destinados às
necessidades da população.
O descontentamento em relação à Corte crescia
a olhos vistos. Com a corda no pescoço, entre 1842 e 1852, os chineses davam
vida a mais de uma centena de rebeliões contra o poder central e a ocupação
estrangeira do seu território. Entre elas ganhou destaque a revolta de Taipin,
liderada por Hong Xiuquam, um professor da área rural cujos escritos convocavam
a se opor à opressão e exigiam igualdade social.
Numa China onde a concentração de terras e de
renda fazia a felicidade de poucos, Hong proclamava a necessidade de uma
distribuição equitativa da riqueza, de proibir o tráfico de ópio e de fazer uma
reforma agrária que não discriminasse as mulheres (algo que contrariava frontalmente
os costumes da época). O professor, que se autoproclamava Rei do Reino
Celestial de Taipin,
conseguiu arregimentar um grande número de apoiadores com os quais lançou uma
insurreição armada que, em poucos meses, capturou a cidade de Wuhan e entrou em
Nanjing.
Longe de combater as forças insurgentes, os
ingleses passaram a facilitar suas ações na exata medida em que elas se
tornavam mais um elemento que desestabilizava a já combalida ordem interna.
Quanto mais caótica a situação, mais o imperador teria dificuldade de
controla-la, mais seu poder se enfraqueceria e, portanto, mais fácil seria
extrair dele novas concessões. Esta situação tão desejada pelos ingleses ganhou
forças em meados de 1856 quando os sucessos momentâneos da revolta de Taipin
estimularam outras regiões do país a insurgirem contra o poder central. Os conflitos
internos deixaram um rastro considerável de destruição e milhões de mortos na
que se apresentava como uma guerra civil de grupos isolados. Com a autoridade
do imperador perdendo força, tudo o que os ingleses precisavam era de um motivo
para a retomada das hostilidades.
5. Os
caminhos da Segunda Guerra do Ópio.
Em 8 de outubro de 1856, oficiais chineses que
investigavam o contrabando no Mar da China Meridional invadiram o navio Arrow e
prenderam doze tripulantes suspeitos de envolvimento em atividades ilícitas. A
princípio, tudo não passava de uma atividade policial rotineira, realizada em
águas territoriais chinesas, numa típica embarcação usada no comércio local
(lorcha), e que se encerrou com a prisão de três criminosos procurados pela
justiça e a soltura dos marinheiros detidos por averiguação.
A gravidade do acontecimento foi levantada pelas
autoridades britânicas. Segundo a versão por elas apresentada, os agentes do
império teriam retirado a bandeira inglesa do mastro do navio antes de
inspecionar a embarcação que era registrada junto às autoridades inglesas de
Hong Kong. Com base nesta narrativa, a ação policial foi julgada como uma grave
afronta à honra nacional e uma violação do tratado de Nanjing (pelo qual, só os
ingleses podiam investigar e julgar os seus cidadãos e as pessoas que os
serviam), motivos considerados suficientes para pedir uma ação militar contra a
China.
Aprovada a guerra na Corte de sua Majestade,
em dezembro de 1857, as canhoneiras inglesas e francesas bombardearam o porto
de Guangzhou para abrir caminhos à invasão por terra. Empenhado na luta contra
os rebeldes de Taipin e em outras frentes de batalha, o enfraquecido e
desmoralizado exército imperial não ofereceu resistência. O povo fez o possível
para deter os invasores, mas nem os pobres recursos de que dispunha, nem a
greve que paralisou as atividades portuárias podiam deter os bombardeios e a
incursão de 16.000 soldados que contavam com o que havia de melhor em termos de
armamento.
Dado o recado em Guangzhou, a marinha de
guerra seguiu o litoral da China rumo ao norte ignorando os apelos das
autoridades locais para uma solução pacífica. Em junho de 1858, ao chegar à
cidade de Tianjin, a um passo da capital, a destruição provocada por ingleses e
franceses forçou os chineses a um acordo de cessar-fogo. Com ele, o imperador
abria mais dez portos ao comércio internacional, reconhecia o direito de todas
as embarcações estrangeiras navegarem livremente no rio Yangtze (que dava acesso
ao interior do país), permitia que qualquer estrangeiro pudesse viajar pela
China, reconhecia à Inglaterra, França, Rússia e Estados Unidos o direito de
terem representações diplomáticas em Pequim e se comprometia a pagar seis
milhões de taeis de prata igualmente distribuídos entre Inglaterra, França e os
mercadores ingleses prejudicados pelas hostilidades.
No ano seguinte, com a recusa da China em
permitir o estabelecimento das embaixadas na capital do império, a força naval
inglesa bombardeou as fortificações localizadas na foz do rio Hai He para abrir
caminho às tropas que marchariam em direção a Pequim. Após vários
enfrentamentos, os soldados entraram na capital do império destruindo o que
encontravam pelo caminho e matando milhares de pessoas. Nem a principal
residência do imperador escapou da fúria dos agressores. Incendiar suas instalações
não era apenas um ato de guerra, mas uma demonstração de poder para humilhar a
China.
Em 18 de outubro de 1860, era assinada a
Convenção de Pequim. Nela, se reconhecia a validade do Tratado de Tianjin e se abria
também o porto desta cidade ao comercio internacional. O imperador cedia aos
ingleses um distrito de kowloon, compensava Inglaterra e França com 8 milhões
de taeis de prata e aceitava a legalização do comércio do ópio.
Atingidos os objetivos almejados, as potências
estrangeiras não precisavam mais da desestabilização proporcionada pelos rebeldes
de Taipin. Neste novo contexto, a insurreição era algo prejudicial à espoliação
da China. Por isso, cessaram de apoiar suas ações. Sem suprimentos e
enfrentando as ameaças das tropas invasoras, os grupos rebeldes foram
definhando até serem varridos do mapa.
Os motivos, a velocidade, a amplitude e a
crueldade das ações bélicas despertaram em alguns a sensação de que a reação
desproporcional da Inglaterra escondia algo inconfessável. Afinal, um incidente
produzido por uma inspeção policial rotineira poderia ser facilmente esclarecido
através de contatos entre os dois países, conforme as autoridades chinesas
haviam insistido em fazer.
Por outro lado, não era segredo para ninguém
que o comércio de ópio, apesar de continuar proibido, andava de vento em popa.
Então, se a prata estava fluindo abundantemente para os cofres de mercadores e
contrabandistas, que necessidade teria a Inglaterra de devastar novamente a
China? Com Pequim cumprindo os tratados, por que transformar uma ação policial em
motivo de tantas mortes e de tamanha destruição?
6. Sob
a lupa de Karl Marx.
Entre 1857 e 1860, Marx escreve vários artigos
para o Daily Tribune de Nova Iorque. As dificuldades de comunicação e de acesso
à informação justificam o atraso entre o momento em que os acontecimentos relativos
à Segunda Guerra do Ópio marcam a conjuntura e a análise que desvenda a
realidade.
Em janeiro de 1857, a primeira abordagem do
tema apresenta o que, de fato, aconteceu na ação policial chinesa: “Quanto à própria lorcha, [o governador
chinês] refere que, quando os chineses a
bordo foram apreendidos, era suposto tratar-se de uma embarcação chinesa, e com
razão, porque foi construída por um chinês, e pertencia a um chinês, que havia
obtido fraudulentamente a posse da bandeira britânica, ao inscrever seu navio
no método colonial britânico de registros - ao que parece, algo habitual, entre
os contrabandistas chineses. Quanto à questão do insulto à bandeira, o
Governador comenta: «Tem sido regra invariável das lorchas da nação de Vossa Excelência,
arriar a bandeira quando lançam âncora e içá-la novamente ao iniciar a viagem.
Quando a lorcha foi abordada, para que os prisioneiros pudessem ser
apreendidos, foi satisfatoriamente provado que nenhuma bandeira estava hasteada».”
Esta posição é confirmada na matéria publicada em 16 de março, quando
Marx cita textualmente parte dos debates parlamentares ocorridos em Londres.
Num dos trechos transcritos, lemos: “Em
seguida veio Lorde Lyndhurst: «Sir J. Bowring - que é um ilustre humanitário
assim como plenipotenciário (risos), ele mesmo admite que o registro é nulo e
que a lorcha não tinha o direito de hastear a bandeira inglesa». Agora,
observem o que ele diz: «A embarcação não tinha proteção, mas os chineses não
sabem disso. Pelo amor de Deus, não sussurrem isso para eles.» Ele também
perseverou, pois efetivamente disse: «Nós sabemos que os chineses não foram
culpados de nenhuma violação do tratado, mas nós não contaremos isso a eles;
nós insistiremos na reparação e na devolução dos homens que eles de uma forma
particular apreenderam. Se os homens não forem devolvidos em determinada forma,
qual seria o remédio? Ora, para apreender trastes, um traste de guerra. Se isso
não for suficiente, que se tome algo mais até que nós os obriguemos a se
submeter, embora nós saibamos que eles tinham o direito do lado deles e não tínhamos
a justiça do nosso...».
Já houve
conduta mais abominável, mais flagrante – eu não direi mais fraudulenta, muito
embora se equivalha a fraude em nosso país –, na qual a mais falsa pretensão
foi apresentada por um homem público a serviço do governo britânico?”
Desta forma, não só Marx derruba de vez a
“questão de honra” e a suposta “violação” dos tratados existentes, como
evidencia o caráter doloso da armação que justificou a guerra. Sendo assim, por
que a Câmara dos Comuns não inviabilizou a agressão que estava a um passo de
ser injustamente perpetrada?
A resposta virá numa matéria publicada no dia
25 de março. Nela, Marx completa as informações da publicação anterior e
responde a esta pergunta de forma clara e cristalina: “Depois de quatro noites de violentas discussões, os debates
chineses finalmente se dissolveram na votação de uma censura aprovada pela
Câmara dos Comuns no Ministério de Palmerston. Palmerston reage à censura com
uma "dissolução penal". Ele pune os Comuns mandando-os para casa.
(...) A administração de Palmerston não era a de um gabinete comum. Era uma ditadura.” Ou seja, entre as pressões para uma ação que submetesse à China a
condições ainda mais duras e a não aprovação da guerra pela Câmara dos Comuns
em função das evidências apresentadas, o Primeiro-Ministro dissolveu a Câmara
dos Comuns a fim de garantir os recursos bélicos e financeiros para a retomada
das hostilidades.
Seguindo
em seu esforço de jogar luz sobre os acontecimentos, no dia 10 de abril de
1857, o Daily Tribune publica outra matéria de Marx relatando o tipo de
argumentos utilizados na defesa da guerra pelo Premier inglês e o contexto em
que as decisões foram tomadas: “Lorde
Palmerston, o atual Primeiro-Ministro da Inglaterra, e o Conde de Clarendon,
Ministro das Relações Exteriores, parecem estar agora numa posição nada
invejável. No banquete do falecido Prefeito (Lorde), o Premier disse, em seu
discurso, ao tentar justificar as atrocidades cometidas contra os chineses: «Se
o Governo tinha, neste caso, aprovado procedimentos injustificáveis,
indubitavelmente eles seguiram um rumo que merecia incorrer na censura do
Parlamento e do país. Nós estávamos convencidos, porém, pelo contrário, de que
esses procedimentos eram necessários e vitais. Nós sentimos que um grande mal
havia sido infligido ao nosso país. Nós sentimos que nossos compatriotas em uma
parte distante do globo foram expostos a uma série de insultos, ultrajes e
atrocidades que não podiam ser ignorados em silêncio (Ovações). Nós sentimos
que direitos deste país - estabelecidos em tratados, foram quebrados, e que
aqueles localmente encarregados da defesa de nossos interesses naquele canto do
mundo não só eram apenas justificados, mas obrigados a ressentir-se desses
ultrajes, até onde o poder em suas mãos lhes permitisse fazê-lo. Nós sentimos
que deveríamos estar traindo a confiança que os cidadãos do país depositaram em
nós se não tivéssemos aprovado os procedimentos que julgávamos corretos, e que
nós, se colocados nas mesmas circunstâncias, deveríamos ter considerado nosso
dever seguir semelhante exemplo» (Ovações).
Agora, por
mais que o povo da Inglaterra e o mundo em geral possam ser enganados por tais
declarações plausíveis, Sua Senhoria certamente não acredita que elas sejam
verdadeiras, ou se ele acredita, ele revelou uma ignorância voluntária quase
tão injustificável quanto o ‘dolo criminal’. Desde que chegou até nós o
primeiro relatório sobre as hostilidades inglesas na China, os jornais do
governo da Inglaterra e uma parte da imprensa americana têm amontoado denúncias
indiscriminadas sobre os chineses - vastas acusações de violação de obrigações
do tratado – insultos à bandeira inglesa – degradação de estrangeiros que
residem em seu solo e afins; no entanto, nenhuma acusação distinta foi feita ou
um único fato apresentado em apoio a essas denúncias, exceto, o caso da lorcha
Arrow, e, no tocante a este caso, as circunstâncias foram a tal ponto tão
deturpadas e encobertas pela retórica parlamentar justamente para induzir ao
erro aqueles que realmente desejam compreender os méritos da questão.”
Comprovada a farsa, exposto o
ambiente que levou a acreditar nela, denunciado que a Inglaterra estava
lançando mão de um pretexto mentiroso para guerrear contra a China, as
reflexões de Marx levavam a uma nova pergunta: Se, em função do tráfico de
ópio, a prata fluía abundante para os cofres ingleses, que motivos teriam
levado a Companhia Britânica das Índias Orientais e o governo de Londres a mais
um enfrentamento bélico?
No dia 20 de setembro de 1858, o
Daily Tribune publica as hipóteses que Marx introduzia com uma pergunta aos
leitores: “Existe alguma probabilidade de
que a guerra de 1857-8 leve a resultados mais esplêndidos do que a guerra de
1839-42?
Além de seu resultado negativo, a primeira guerra do ópio
conseguiu estimular o comércio de ópio à custa do comércio legítimo, e o mesmo
acontecerá com esta segunda guerra do ópio se a Inglaterra não for forçada pela
pressão geral do mundo civilizado a abandonar o compulsório cultivo do ópio na
Índia e a coercitiva propaganda do ópio na China. (...)
Os chineses não podem levar bens e drogas ao mesmo tempo; nas
circunstâncias atuais, a extensão do comércio chinês resulta na extensão do
comércio de ópio; o crescimento deste último é incompatível com o
desenvolvimento do comércio legítimo - essas proposições foram amplamente
admitidas há dois anos. Um Comitê da Câmara dos Comuns, nomeado em 1847 para
tratar do estado das relações comerciais britânicas com a China, assim relatou:
Nós lamentamos «que o comércio com aquele país esteja há algum
tempo em condições muito insatisfatórias, e que o resultado de nosso extenso
intercâmbio não atendeu de modo algum às justas expectativas que naturalmente
se baseavam em um acesso mais livre a um mercado tão magnífico… Nós achamos que
as dificuldades do comércio não surgem de qualquer falta de demanda na China
por artigos de manufatura britânica ou da crescente competição de outras
nações.... O pagamento pelo ópio... absorve a prata, para grande inconveniência
do comércio geral dos chineses; e chá e seda devem de fato absorver o resto».
Repare que, nesta matéria, Marx
constrói o seu raciocínio juntando declarações que, até aquele momento, não
haviam sido levadas na devida consideração. O desafio, agora, era o de reunir
elementos sobre as vendas das manufaturas inglesas, cujo aumento era o principal
objetivo da conquista do mercado chinês.
No dia 03 de dezembro de 1859, o
Daily Tribune publicava mais uma matéria dele onde constava parte de um
relatório de 1852 encontrado no Livro Azul da Correspondência Relativa às
Missões Especiais de Lord Elgin na China, escrito por um agente britânico em
Guangzhou: “Nosso Tratado Comercial com
este país [China] está agora há quase
dez anos em pleno funcionamento, todos os impedimentos presumidos foram
removidos, mil milhas de nova costa foram abertas para nós e quatro novos
mercados estabelecidos exatamente nos limiares dos distritos produtores e nos
melhores pontos possíveis da costa. E, no entanto, qual é o resultado no que
diz respeito ao aumento prometido no consumo de nossas manufaturas? Ora,
claramente isso: Que ao final de dez anos as tabelas da Junta Comercial nos
mostram que Sir Henry Pottinger descobriu um comércio maior quando assinou o
Tratado Suplementar em 1843 do que o próprio Tratado nos mostra no final de
1850! — isto é, no que diz respeito às nossas domésticas manufaturas, que são a
única questão que estamos considerando agora.”
Mais adiante, no mesmo relatório,
o Sr, Mitchel assinalava que as Tabelas da Junta Comercial mostravam que “a exportação de nossos produtos
manufaturados para a China foi menor em quase três quartos de milhão de libras
esterlinas no fechamento de 1850 comparado ao ano de 1844."
Ou seja, contrariando as expectativas de uma expansão das vendas de
manufaturados ingleses para a China após a Primeira Guerra do Ópio, os números mostravam
que, em determinados anos, as importações do império haviam encolhido
significativamente.
Ao apresentar as razões do fraco
desempenho das manufaturas inglesas, Marx volta ao relatório do Sr. Mitchel: “Os hábitos dos chineses são tão
parcimoniosos e tão hereditários que eles vestem exatamente o que seus pais
usavam antes deles; isto é, apenas o suficiente e nada mais, não importa o quão
barato possa ser oferecido a eles. Nenhum chinês que trabalha pode se dar ao
luxo de vestir um casaco novo que não dure pelo menos três anos e aguente o
desgaste do trabalho mais duro durante esse período. Agora, uma roupa com essa
descrição deve conter pelo menos três vezes o peso do algodão cru que colocamos
nas mercadorias mais pesadas que importamos para a China; isto é, ela deve ser
três vezes mais pesada quanto as mais pesadas brocas de artigos domésticos que
dispomos para enviar para cá.”
A possibilidade de os tecidos serem
fabricados na Inglaterra com as mesmas características locais foi descartada
pelo próprio Mitchel que, em 1844, havia enviado algumas amostras aos
empresários de Manchester com a sinalização dos preços máximos para o mercado
chinês. A negativa recebida não estava baseada na impossibilidade de a
indústria inglesa fabricar algo parecido, e sim no fato de seus custos de
produção estarem bem acima dos praticados na China.
A descrição do Sr. Mitchel,
reproduzida por Marx, explica as razões desta diferença: “Quando a colheita é feita, todos os trabalhadores da casa da fazenda,
jovens e velhos juntos, se voltam para cardar, fiar e tecer este algodão; e
deste material fiado em casa, um material pesado e durável, adaptado ao
manuseio rude pelo qual ele tem que passar por dois ou três anos, que eles se
vestem, e o excedente eles carregam para a cidade mais próxima, onde o lojista
compra para uso da população das cidades e dos barqueiros nos rios. Com este
material feito em casa, nove em cada dez seres humanos neste país são vestidos,
a manufatura variando em qualidade desde o macacão mais grosseiro até o mais
fino Nanquim, tudo produzido nas fazendas, e custando ao produtor literalmente
nada além do valor da matéria-prima, ou melhor, do açúcar - o produto de sua própria
lavoura, que ele trocou por ela."
Sendo assim, a única forma de
emplacar os tecidos e as roupas exportadas pela Inglaterra no mercado chinês
passava pela destruição da forma de produzir descrita no relatório. Para dar
consistência a esta hipótese, restava a Marx mostrar que as exportações
inglesas para o país andavam mal das pernas também nos anos imediatamente
anteriores à retomada das hostilidades. Com este propósito, na mesma matéria,
ele apresentava os valores em libras esterlinas dos itens vendidos aos chineses
entre 1849 e 1857:

Diante do total
exportado em cada ano, Marx comentava: “Agora,
comparando esses números com a demanda chinesa por manufaturas britânicas em
1843, declarada pelo Sr. Mitchell como totalizando £1.750.000, veremos que em
cinco dos últimos nove anos as exportações britânicas caíram muito abaixo do
nível de 1843, e em 1854 eram apenas 10/17 [57,0%] do que haviam sido em 1843.”
Ou seja, ainda que o governo inglês não reconhecesse publicamente as
pressões das indústrias têxteis no sentido de forçar a abertura do mercado
chinês para desovar os estoques existentes, os números mostravam que este
poderia ser o objetivo do novo enfrentamento.
Em outras matérias para o mesmo
jornal, Marx encadeou suas reflexões sobre o tema com as relações
internacionais entre Inglaterra, França, Rússia e China no esforço de
apresentar o tabuleiro no qual se movimentavam os interesses destes países e o
papel da guerra contra Pequim na concretização dos mesmos. Que isso custasse
mortos, destruição e mais miséria para a maioria dos chineses, não era um
problema. Os negócios da Inglaterra na Índia e em outros lugares do mundo haviam
seguido um roteiro semelhante...logo...por que na China deveria ser diferente?
Chama a atenção que,
na trajetória da sua análise, Marx não faz discursos altissonantes e nem se
vale de declarações bombásticas. Sem dispensar pitadas de ironia, ele foca as
atenções nos acontecimentos em si e nas perguntas que nascem a partir deles. É
com esta picareta que ele fura a crosta de aparências escondia a realidade.
Em nenhum momento, Marx constrói
narrativas que adaptam o real a algum pressuposto teórico e nem apela a formulações
genéricas para provar suas posições. Ao contrário, resgata as contradições dos
próprios acontecimentos para tornar visível o porquê do por que das coisas. Por
isso, a lupa de Marx não procura palavras rebuscadas para um discurso de
ocasião, mas fatos que permitem apoiar a reflexão no sólido alicerce do real.
Qual terá sido a reação do leitor do
Daily Tribune diante disso tudo?
Bom, nada impede que tenha
ignorado os acontecimentos, questionado sua veracidade ou preferido o discurso
oficial ao desconforto de uma realidade que contradiz os valores nos quais
acredita. Seja como for, o importante, para Marx era coloca-lo diante de um
divisor de água que exigia uma tomada de posição e aplanava o terreno para
questionar a responsabilidade de sua omissão nos eventos do presente.
As nossas reflexões chegaram ao fim. Esperamos
que elas tenham provado que a falta de limites e escrúpulos do imperialismo é
algo próprio de um sistema que coloca o lucro acima da vida. Mudar esta realidade
demanda encará-la como ela é.
Por isso, o primeiro passo deste processo exige,
justamente, o esforço de “colar na realidade” para identificar as contradições
e as possibilidades de desenvolvimento que os acontecimentos colocam diante de
nós. O segundo deveria, pelo menos, nos fazer caminhar rumo ao compromisso de
quem, com palavras e ações, busca tornar inaceitável um cotidiano da história
com o qual a maioria, simplesmente, se conforma. Coragem...para todos nós!
Emilio Gennari, março de 2025.
Bibliografia
-
FABLE Noah, As Guerras do Ópio na China, Edição para Kindle divulgada pela
Amazon em 2024.
-
GOYOS JR, de Noronha Durval, As Guerras do Ópio na China e os tratados
desiguais, Observador, Legal Editora Limitada, São Paulo, 2021.
- KISSINGER Henry, Sobrea
a China, Ed. Objetiva, Rio
de Janeiro, 2011.
-
SAMPAIO, Tiago Henrique, As considerações
de Marx sobre as Guerras do Ópio e suas consequências na sociedade Chinesa
(1839-1860). Em: Revista Espaço
Acadêmico, Nº 174, Novembro de 2015.